A Pandemia e seu Significado Histórico

Natália Pereira Carvalho¹

No mundo contemporâneo, a rapidez instalou-se no modo de viver, de maneira que a pressa e a indiferença passaram a fazer parte de um dia a dia confuso, irrefletido, de viés ultra capitalista, e que tenta obedecer à velocidade da tecnologia. As implicações da pandemia do novo coronavírus chocam-se com essa conjuntura, desencadeando um cenário em que a própria natureza denuncia as mazelas sociais e a necessidade de mudanças, o que certamente demanda reflexões mais profundas, como as que foram feitas no grupo “Estudo de Conjunturas Históricas” e que motivaram a produção deste material.

Como cidadãos, o Sars-CoV-2 nos provoca inúmeras inquietações e angústias que possuem causas muito simples de serem apontadas: o bombardeamento de notícias ruins, a mudança brusca na rotina de muitas pessoas, os novos cuidados higiênicos, o medo da contaminação etc. Decorrente disso, há um melancólico sentimento de desencanto pairando na sociedade, pois nos vemos impotentes e com diversas perspectivas ruins do futuro. Esse sentimento indica estarmos diante de um evento que irá alterar a dinâmica do mundo contemporâneo, isso é, se o século XXI pudesse falar, ele diria que o modo que estávamos vivendo não dava mais para ser levado adiante.

Sob esse viés, o problema da desigualdade social já é, por si só, uma realidade a ser combatida para que o mundo possa alcançar um real avanço civilizatório. No entanto, essa causa, sempre deixada para depois, não foi tratada com a devida seriedade demandada. Assim, o histórico de longo negligenciamento para com as causas humanitárias resultou em sérias implicações na pandemia. Isso porque, num contexto social desigual, se torna impraticável, para muitas pessoas, manter as recomendações sanitárias da OMS como a higiene constante e a quarentena (as mais prováveis armas contra o espalhamento do vírus). 

Neste contexto, a pandemia de covid-19 está escancarando uma série de problemas na forma como vivemos e organizamos a nossa sociedade, e, daí, vem o desencanto: damos-nos conta de que a doença só consegue ser combatida com o distanciamento social, que implica ter a colaboração de cada um. Essa forma de combate – a mais eficaz que, até o momento, existe – não dá certo, pois, além do negacionismo de alguns, existem muitos indivíduos que possuem seus direitos e acessos limitados pela pobreza. É um marco histórico para a contemporaneidade o susto ao vermos que o mundo está ligado e, ao contrário do pensamento ultracapitalista, sem colaboração e valorização dos Direitos Humanos, não há maneira de deter inimigos, tampouco um inimigo invisível.

Em outra análise, é lícito postular que é chegado um momento em que discursos de negação à ciência encontram, cada vez mais, um perigoso espaço de credibilidade que induz muitas pessoas, inclusive as que possuem recursos para seguir as recomendações da OMS, a atentarem contra a saúde coletiva, e essa realidade nunca foi tão desagregadora como neste momento emergencial. Colher resultados desse negacionismo numa pandemia como a que está em curso chama a atenção de toda sociedade civil, especialmente à comunidade acadêmica, para a urgência de tornar a ciência algo que possua credibilidade para a população. Essa credibilidade se pauta na universalização do saber entre as camadas da sociedade, ou seja, os indivíduos precisam se sentir próximos da ciência para que a tenham como algo a ser seguido e respeitado. Em suma, a pandemia de covid-19 representa uma lupa que torna visível o distanciamento simbólico entre cidadão comum e comunidade científica, tornando possível inferir essa distância como desagregadora e causadora da negação popular para com o que se produz dentro dos muros das universidades e institutos de pesquisa. Isso faz com que as recomendações da OMS não pareçam pertinentes e instala-se a problemática da sociedade que acredita que o vírus será uma “gripezinha”.

Portanto, o atual momento é antônimo de acomodação. Torna-se negligente não admitir a necessidade de mudanças de base em relação das mais diversas ordens: governo e empresas; empresas e sociedade; sociedade e governos; sociedade e sociedade; cientistas e empresas; governo e cientistas; humanidade e natureza, e por aí vai. Em outras palavras, a pandemia do coronavírus inaugura oficialmente o século XXI e transmite ao homem contemporâneo a insustentabilidade dos rumos que a humanidade tomou na pós-modernidade, trazendo um solavanco incômodo que sacode as estruturas, a fim de que a sociedade aprenda com o desencanto e mude suas relações de maneira refletida, com viés humanitário e em consonância com o tempo da natureza.

1Natália Pereira Carvalho: estudante do CEFET-MG campus Betim, produziu este texto após debates, leituras e encontros virtuais no grupo “Estudo de Conjunturas Históricas”, composto por professores e alunos, vigente de junho a julho de 2020, em pleno isolamento social pela pandemia de covid-19.


Imagem de destaque: Pixabay

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