Formar o corpo da nação: a Educação Physica na constituinte de 1823

Felipe Lameu dos Santos1

A educação intelectual é, geralmente, a mais lembrada quando rememoramos as diversas formas de educar ao longo da História. Entretanto o corpo, mesmo quando negado, é um dos principais meios para educar, formar e conformar as populações. Este texto apresenta um exemplo nesse sentido que ocorreu nas discussões da primeira Constituinte do Brasil Independente, no ano de 1823.

Começamos por um artigo publicado, em 1823, por José da Silva Lisboa, o futuro Visconde de Cairu, homem de letras e autor de mais de 3 dezenas de livros e livretos, e que estava atento aos diversos meios de intervenção política no Brasil, daquele período. Entre esses meios estavam os impressos periódicos, alguns dos quais vinham de sua “veia panfletária”, responsável por uma série de folhetos, pasquins e jornais no período de implantação do Estado Nacional. Dentre eles, podemos destacar Apelo à Honra Brasileira Contra a Facção dos Federalistas, Vigia da Gávea, Desforço Patriótico contra o Libelo Português e o Atalaia, impresso com o qual começaremos nosso trajeto de discussão sobre a Constituinte de 1823 e como a educação physica poderia integrar projetos de forma(ta)ção do povo e da nação brasileira.

No dia 6 de agosto de 1823, foi publicado um artigo, não assinado, no impresso Atalaia, que continha um trecho das discussões que estavam ocorrendo na primeira Assembleia Constituinte do Brasil. No pequeno trecho, destacado no artigo, pode-se ler o seguinte:

Será reputado Benemérito da Pátria, e como tal condecorado com a Ordem Imperial do Cruzeiro, ou nela adiantado, se já a tiver, aquele cidadão, que até o fim do corrente ano apresentar à Assembleia o melhor tratado de educação física, moral e intelectual para a Mocidade Brasileira. &c (Paço da Assembleia em 16 de junho de 1823).

Este trecho fazia parte de uma discussão sobre um concurso para a escolha do melhor Tratado de Educação para reger a formação integral do nascente Império. Chama atenção a Assembleia Constituinte ter debatido sobre o melhor Tratado de Educação para a Mocidade Brasileira e, mais ainda, a perspectiva de que o texto deveria abranger não só a educação intelectual, mas também a educação physica e moral. Quais pistas poderiam ser fornecidas no debate do Tratado acerca de projetos de constituição da nação por meio de formação physica, moral e intelectual?

A Constituinte de 1823 foi um momento ímpar da história da legislação brasileira, primeira iniciativa para construção das bases legais do que viria a ser o Brasil. Embora ela tenha sido dissolvida por Pedro I e não tenha frutificado no primeiro texto constitucional, serve como laboratório para perceber os diversos projetos de nação em jogo dentro do contexto conturbado do Primeiro Reinado.

Dentre os diversos temas discutidos em tal espaço, a educação physica ganhou espaço dentro da Comissão de Instrução e nos debates sobre um concurso para se escolher um Tratado de Educação para reger a formação dos brasileiros. A partir das discussões podemos perceber alguns pontos interessantes para pensarmos como a formação do corpo foi agenciada nos projetos de construção do Brasil.

Embora existisse discordância entre os Deputados constituintes sobre vários pontos para a escolha do Tratado, também ocorreram pautas em comum. O ponto que congregou opositores e apoiadores à tramitação do projeto é que se via na educação e na busca do Tratado as bases para se pensar uma educação ligada às especificidades brasileiras, ao seu clima, seus hábitos, sua gente e o que diferenciava o Brasil nascente dos outros países, argumento que levava a sustentar a defesa de um Tratado para o Brasil e para formar os brasileiros no pós-independência. E essa especificidade também se dava na formação physica e do corpo dos brasileiros. A adoção de modelos estrangeiros e desligados das diversas realidades brasileiras não serviam. Era preciso se pensar e praticar uma educação physica nacional.

Embora a categoria Brasil ainda fosse nebulosa naquele contexto, era preciso formar o corpo dos brasileiros. Dentre os diversos argumentos, a educação physica poderia ser encarada como a primeira educação e alicerce da moral e da inteligência. O argumento girava em torno da lógica de que em um corpo fraco nem a moral e nem a inteligência poderiam se sustentar, e que sem saúde seria impossível a “felicidade” da jovem nação.

Os debates em torno de um Tratado destinado a um campo de saber específico, de abrasileirá-lo, ocuparam parte do tempo, definiram agenciamentos e delimitaram campos de interesse dos Constituintes. Entretanto, tal Tratado não foi escolhido e aquela constituição não chegou a ser colocada em prática. Todavia, outras experiências parlamentares estiveram relacionadas a escolhas de bibliografias destinadas ao que se designava por educação physica dos brasileiros. Mas isso é outra história. 

 

1 – Professor do Departamento de Educação Física do Colégio Pedro II. Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

 

Para saber mais:
Notices of Brazil in 1828 and 1829 apud Câmara dos Deputados, 2018.

 


Imagem de destaque: Interior da Cadeia Velha, sede da Assembleia de 1823.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *