Autonomia funcional

Aleluia Heringer

Pais, seus filhos contribuem com alguma tarefa doméstica? Educadores, vocês têm o costume de cobrar aos estudantes que recolham o próprio resíduo deixado no pátio ou na carteira? Antes que vocês respondam, vamos refletir por qual motivo essas práticas são tão importantes. Essa é uma temática que diz respeito à educação familiar e escolar.

Em um país que tardiamente se desfez da escravidão, ainda perdura uma prática de delegar tais atividades para as mães ou para as empregadas domésticas. Com isso, temos jovens com 30 anos funcionalmente dependentes, que sobrecarregam alguém com aquilo que deixam pelo caminho: seja prato, roupa, lixo, bagunça etc.

Como adultos, devemos ter no horizonte a independência e a autonomia daqueles que estão sob a nossa responsabilidade. Essa é uma genuína e responsável forma de amor, pois torna o sujeito “capaz” para algo. Tornar as crianças e jovens aptos a cuidar de si e dos seus pertences é o que chamo de competência de autonomia funcional.

Seja você rico ou pobre, com toda a estrutura de pessoas para servi-lo ou não, cuidar de si é uma exigência do mundo contemporâneo e é sinal de que, de fato, crescemos. Não nascemos sabendo e, muito provavelmente, se outros aparecerem para fazer por nós, dificilmente daremos conta da necessidade. Esse cuidado se aprende e precisa ser, intencionalmente, planejado pelos adultos. Há de haver um investimento de nossa parte, da mesma forma que queremos que nossos filhos aprendam a ler, nadar ou andar de bicicleta.

Para as crianças menores, pequenas responsabilidades! Aos poucos, à medida que o filhote cresce, as responsabilidades vão se complexificando. As oportunidades para ensinar e aprender a autonomia estão em cada parte do nosso dia e em todas as horas: dobrar a roupa, preparar algo simples da refeição. Isso é saudável e, além de favorecer o senso de realidade, insere nossos filhos na rotina da vida. Todos os dias e semanas fazemos sempre as mesmas coisas. Quantos não suportam essa parte “da vida como ela é” e se mostram entediados e irritados? Não entendem que, para existir, é preciso fazer, construir, limpar, cuidar, preparar. Crianças não podem crescer achando que roupa limpa “brota na gaveta”; que “eu sujo e o outro limpa”.

Está na esfera do cuidado de si também a responsabilidade sobre os pertences e compromissos: agasalhos, cadernos, chave do escaninho, dinheiro e prazos. Normalmente, pessoas não educadas para cuidar de si são as que mais perdem ou esquecem, pois os adultos que fazem tudo por elas vão correr atrás; procurar na escola, prestar uma queixa e por aí vai. O cérebro não foi exercitado a prestar atenção no seu entorno, pois esse entorno na pessoa autocentrada não existe.

Cuidar de si inclui também aprender a atravessar a rua. Quantos pais e mães atravessam os filhos carregando as mochilas, e as crianças conversam olhando para o lado contrário? Qual animal, no mundo natural, fará isso com os seus filhotes? Nenhum, pois ensina-se a sobreviver, mesmo que isso custe alguns arranhões.

Aqueles que vivem na escassez terão que se virar, pois a exigência da sobrevivência se impõe. Para aqueles “a que nada falta”, o dia de ir morar no exterior, casar-se, ir estudar em Fortaleza – pois passou no vestibular e terá que morar sozinho ou sozinha – ou assumir um emprego vai chegar. Nesse momento, vamos reconhecer e agradecer aos nossos pais e professores por tudo aquilo que não fizeram por nós.


Imagem de destaque: Kristopher Volkman

 

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