Por falar em volta às aulas, o que a comunidade tem a dizer?

Monica Abranches

Em 2003, recebi um recado de minha orientadora de mestrado da UNICAMP (a maravilhosa Maria da Gloria Gonh) dizendo que eu deveria retomar meu documento de dissertação e fazer virar um livro. O tema foi a participação dos pais e da comunidade na escola e a orientadora achava que essa temática deveria ser mais discutida pelos gestores, pelas escolas e pelos diretores. Eu também achava e por isso defendi essa dissertação fruto de minha experiência como assistente social, na Secretaria de Educação de um município no interior do Estado de Minas Gerais. Uma experiência que valorizava a escola como equipamento social da comunidade e como referência para toda a população do entorno. A escola hoje, e sempre, é mais do que uma estrutura para realizar a educação formal. Ela também divulga saúde, amplia a cultura, atua como parceira da assistência social e por vezes, serve até de habitação social em tempos de desastres. A escola é o centro da vida de um bairro e movimenta a rua, o transporte, o comércio e as relações sociais em um território.

Dessas reflexões surgiu o livro “Colegiado Escolar: espaço de participação da comunidade” publicado pela Editora Cortez. Interessante foi o alcance dessa discussão que gerou mais de 6 mil livros vendidos e a inserção da referência da obra em mais de 20 editais de concurso por todo o Brasil. Então, essa discussão era importante nessa época? E agora? 

Hoje, na discussão da volta às aulas em contexto de pandemia fico aqui pensando para onde foi essa discussão e a valorização da aproximação da escola com a comunidade. Gestores lançam protocolos, sindicatos lutam por um retorno mais consciente e seguro para os professores, o Ministério da Educação lança diretrizes de volta do funcionamento das escolas (sem disponibilizar mais recursos), os médicos defendem a volta segura, enfim…. mas e os pais, as mães e os estudantes? Onde eles estão na discussão da educação em tempos de crise sanitária? Por que a comunidade é excluída dessa reflexão? 

A educação não é privilégio da comunidade escolar e dos gestores. A política de educação é pública e envolve todos os setores envolvidos e, principalmente, quem investe nela através dos impostos pagos. 

Essa é uma questão que trabalhei muito no livro, pois as famílias que têm seus filhos na escola não reconhecem que também são donos da coisa pública e que deveriam participar mais ativamente da gestão desta e de diversas outras políticas públicas. Na experiência de observação dos encontros dos colegiados era fácil ouvir dos pais que eles não sabiam de política e por isso não teriam direitos de discutir o futuro da escola. Com o tempo, a rotina foi se mostrando com grande potencial, inclusive de promover aprendizado aos representantes da comunidade sobre orçamento público, sobre leis na área da educação, sobre a gestão do espaço da escola. Lembro da entrevista com M.M.C, uma representante de pais que disse ao final de sua participação no mandato do colegiado: 

Se você não participar, você não tem como exigir, você sozinha não é ninguém. Você participando de alguma entidade, você tá ali junto, discutindo os assuntos com as pessoas, você tem ideia para passar. Então, eu acho muito importante, porque de repente você fica em casa esperando que as coisas aconteçam e não acontecem. Se você quer que melhore alguma coisa no seu bairro, você tem que participar mesmo. Não pode deixar, se você fica calada não tem como exigir, como reclamar. Participar é importante demais!  (p. 74). 

Interessante é perceber como esses processos de construção da democracia participativa que estudei tão intensamente, no final dos anos 90, foram pouco a pouco se perdendo até chegar ao momento atual onde os conselhos, os grupos de trabalho, os colegiados estão pouco ou nada valorizados nas políticas públicas. Nos governos atuais, então, perdemos muitos canais de participação da comunidade nas esferas municipais, estaduais e, principalmente, federal. 

Revendo as páginas do livro identifico várias passagens com esperança de que a participação popular na educação estava se consolidando progressivamente. São várias colocações dizendo dos pontos positivos da participação direta dos diversos atores sociais no espaço público e citações da filósofa Hannah Arendt defendendo uma ação política pela busca da liberdade e da coletividade como solução de muitos impasses das instituições dos serviços públicos.

Para H. Arendt (1989) o diálogo é o que possibilita aos homens revelarem as questões públicas a todos os outros e é pela palavra que podemos construir uma interação política. É a ação no espaço público que define a capacidade dos homens de produzir fatos e eventos em seu espaço. Quando um indivíduo age provoca reações diversas e ao mesmo tempo é agente porque recebe de volta as consequências de suas ações. E assim se constroem as ideias e as possíveis respostas.

Assim, ajudados por H. Arendt e tantos outros autores que defendem a democracia ativa e participativa, pergunto onde estão as famílias no debate da escola e, principalmente, da escola pública? Porque os pais estão alijados das discussões de como a escola deve se reinventar no contexto de pandemia e pós-pandemia? E ainda os estudantes, o que tem a dizer sobre o cotidiano da escola que afetará (ou preservará) a sua saúde física e mental e de seus familiares? 

Seria bom retomarmos os debates sobre a importância dos “colegiados” e sobre a participação. Está passando da hora da gente se juntar, valorizar nossas diversidades de humanidades e de ideias e criar protocolos de vida para um futuro que pode ser próspero ou incerto! Só depende de nós… juntos! 

Para saber mais: 

ABRANCHES, Mônica. Colegiado Escolar: Espaço de participação da comunidade. São Paulo: Cortez, 2003. 110 p. (Questões da Nossa Época 102).


Imagem de destaque: Pixbay

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