Outra data para a Independência no Pará? Nosso agosto de 1823

Michelle Rose Menezes Barros de Queiroz*

Ao longo dos quase 200 anos de emancipação política do Brasil, muitas questões foram formuladas para compreender esse momento singular, especialmente em um país de grande extensão territorial e de múltiplas experiências sociais e culturais. É diante dessa diversidade que precisamos pensar a respeito do processo de separação política que abriga diferentes histórias de norte a sul do país. O convite é que você conheça um pouco mais sobre isso a partir de outro panorama, da província do Grão-Pará, e (re)descubra outras histórias brasileiras.

Longe de ser apenas um fato, a Independência do Brasil foi um processo. E pensar nele é ter em mente que não foi um processo linear, muito menos homogêneo. Em suas diversas províncias (assim chamadas as antigas capitanias), a maior colônia portuguesa, vivenciou várias experiências de norte a sul, comportando movimentos favoráveis e contrários a separação entre o colônia e metrópole.

No norte do Brasil estava localizada sua maior província: o Grão-Pará. No século XIX, sua área fazia limites com o Peru; com regiões dominadas por espanhóis, ingleses e franceses; com as Províncias do Maranhão, de Goiás e do Mato Grosso. A província do Grão–Pará era formada por três comarcas: a do Rio Negro, a da Ilha Grande de Joannes (Marajó) e a de Belém, que era sua sede. Nesse período, a população paraense era formada por indivíduos livres, libertos, mestiços, indígenas, africanos escravizados. As pessoas residiam em áreas urbanas, mas a maioria vivia em regiões rurais e dedicava-se a produção agrícola.

Muitos paraenses mantinham contato com portugueses da Europa via correspondências e foi por meio delas que alguns moradores do Pará tomaram conhecimento do que estava acontecendo na Europa diante das investidas francesas no início do século XIX, acarretando a vinda da Corte portuguesa ao Brasil. Essa transferência trouxe mudanças administrativas, econômicas, políticas e socioculturais tanto para a colônia como para a metrópole.

No Pará, o movimento constitucional do Porto (também conhecido como movimento da Regeneração Portuguesa) teve defensores, que se reuniam secretamente em Belém. Logo no primeiro dia de janeiro do ano de 1821, foi proclamada a adesão ao Constitucionalismo português e formada uma nova administração para o governo da província. Uma Junta Provisória de Governo foi composta por um cônego, um juiz, três militares, dois negociantes, dois agricultores, sendo o Pará a primeira província brasileira a aderir ao movimento Constitucional. Muitos desejavam reforçar os vínculos políticos e econômicos com a metrópole, estremecidos com a transferência do monarca para o Rio de Janeiro. Mesmo proclamada na sede da província, a adesão ao Constitucionalismo enfrentou discordâncias no Pará, onde se desenhou um campo de disputas político-ideológicas que ganharam terreno por meio da imprensa e das correspondências oficiais do governo.

Com a chegada da Corte ao Brasil, também houve o surgimento da imprensa em 1808. Em 1820, um estudante de Direito chamado Filippe Alberto Patroni Maciel Martins Parente, mais conhecido como Filippe Patroni, retornou para o Pará, interrompendo seus estudos na Universidade de Coimbra, e trouxe em sua bagagem a equipagem física e intelectual para a impressão do primeiro periódico local, intitulado “O Paraense”. Por lá circulavam ideias e projetos políticos futuros para o Pará em um contexto em que se discutia o próprio rumo da “Pátria” portuguesa.

A elite paraense e os comerciantes portugueses mantinham forte ligação com a metrópole portuguesa. As viagens marítimas de Belém a Lisboa eram mais curtas do que às viagens para o Rio de Janeiro, por exemplo. Em junho de 1822, alguns meses antes de D. Pedro proclamar a Independência, a Junta de Governo do Pará enviou uma correspondência ao Príncipe-regente, afirmando que ela e seus habitantes se manteríam fieis às Cortes lisboetas e ao rei D. João VI e não reconheceríam outro centro de poder. Essa posição da província, chegando até mesmo considerar “pegar em armas” para acabar com opiniões e ameaças à causa da Constituição foi mantida até 1823, em meio a tumultuados acontecimentos e atentos às “convulsões revolucionárias do Rio de Janeiro”. No Pará, havia discursos e projetos divergentes sobre o futuro do Brasil.

Para conseguir que a província aderisse a Independência política, proclamada em setembro de 1822, o oficial inglês John Pascoe Grenfell, sob às ordens de D. Pedro I, trouxe um documento a Belém, informando que havia uma esquadra em Salinas (região costeira), que iria bloquear o acesso ao porto da capital, caso não houvesse a adesão ao “sistema brasílico”. O que não era verdade. Porém, diante da ameaça, os governantes renderam-se e proclamaram a adesão do Pará a Independência, em agosto de 1823.

Diante das resistências ao “novo sistema” brasileiro e das investidas para que ele se concretizasse em todo domínio colonial português, é importante considerarmos que a confecção da Independência se desenvolve num complexo tecido político-social, em que propostas, discursos, conflitos emergiram nas diversas localidades nas primeiras décadas do século XIX. Conhecer outras experiências da Independência pelo Brasil, nos possibilita uma compreensão mais ampla e heterogênea de seu processo histórico.

 

* Doutoranda em História Social da Amazônia/PPGHIST-UFPA. Professora de História da Escola de Aplicação da UFPA


Imagem de destaque: Imagem do panorama de Belém de 1820. Livro Viagens pelo Brasil de Martius e Spix, 1817, edição de 1940, São Paulo com apresentação de Herbert Baldus.

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