Magda Soares: linhas, cores e tramas de uma grande obra educacional – Maria Aparecida Paiva

Magda Soares: linhas, cores e tramas de uma grande obra educacional

Maria Aparecida Paiva

Porque professora é o que fundamentalmente fui, por escolha, por prazer, por vocação, por convicção, por compromisso social, e tudo o mais que fiz, que faço, que tenho feito – pesquisa, publicação, vida científica – tudo isso fiz, tudo isso faço porque sou professora e para ser professora.

Magda Soares

Magda Soares, mineira de Belo Horizonte, reúne em sua trajetória uma pluralidade de saberes e fazeres difíceis de serem abordados isoladamente. Ela é uma das nossas maiores reservas intelectuais e éticas; uma professora ímpar, uma pesquisadora incansável, uma referência nacional reconhecida internacionalmente; uma artífice incansável, ao longo de quase seis décadas de dedicação à Educação. Seu comprometimento com o ensino da Língua Portuguesa, desde o início de sua carreira profissional, sua atuação na área pedagógica, de um modo geral, vêm encontrando sustentação na sua produção acadêmica, que, ao caminhar, se reconstrói, à luz de novas indagações e novas pesquisas. Desse modo, sua obra não se limita ao efeito de um trabalho ou uma ação pontual, posto que sua marca é o constante movimento, a ação cotidiana transformadora da prática, o respeito e a sintonia com as demandas sociais. Trata-se de uma obra aberta, em permanente construção, alicerçada na humildade de quem muito sabe e, por essa razão, não admite certezas absolutas.

Como ela mesma registra em seu livro Metamemória, memórias: travessia de uma educadora: “vamos bordando a nossa vida, sem conhecer por inteiro o risco; representamos o nosso papel, sem conhecer por inteiro a peça. De vez em quando, voltamos a olhar para o bordado já feito e sob ele desvendamos o risco desconhecido; ou para as cenas já representadas, e lemos o texto, antes ignorado”. Sendo assim, é possível olhar para a sua produção didática, composta pelas três coleções que produziu, e reconhecer nela o risco firme e delicado do bordado, a peça hábil e coerentemente composta.

As três coleções didáticas, publicadas em sucessão temporal, revelam intensas relações com a produção acadêmica concomitante da autora, a cada vez demonstrando a inteireza da reflexão da professora que produz conhecimento. Se a primeira coleção se organiza em torno do conceito de língua como “instrumento de comunicação”, a segunda tem por eixo o uso que dela se faz, ao passo que a terceira envolve os usos que os sujeitos fazem da língua, em seu convívio sociocultural, dando ênfase ao conceito de “letramento”. Nos três ciclos a seguir, representados pelas três coleções, o gesto acadêmico de formular uma concepção de educação e de linguagem que de fato servisse às grandes questões colocadas aos jovens estudantes e professores, na escola, se demonstra produtivo na concepção de uma didática suficientemente materializada para chegar ao professor em seu cotidiano intenso.

Esta a significação do material didático produzido pela autora: ele revela, a cada coleção, uma coerência teórica que não se esconde em discurso opaco, mas que se textualiza em pistas para a prática, sempre valorizada de modo nuclear mas talvez intraduzível. As três coleções didáticas, que a seguir comentamos, antes de serem simplificações, como de resto é frequente em obras do gênero material didático, são sínteses, rigorosamente coerentes do ponto de vista conceitual, de uma visão de grande acuidade sobre educação escolar em língua portuguesa. Sua fundamental importância está em tornar produtivas, para as ressignificações da prática, as compreensões obtidas na pesquisa e na reflexão intelectual profunda. A história da circulação dessas três coleções entre professores, formadores de professores e estudantes de Pedagogia e de Letras é um legado, em cores, linhas e pontos, à trama da educação brasileira.

Enfim, quando olhamos hoje, para o “bordado” dessa grande artífice da Educação brasileira, é possível entrever sua obra, em seus diferentes tons e múltiplas tramas; retrato real de uma educadora, às vésperas de completar 80 anos de vida, em plena atividade, exemplo de perseverança, incansável no seu compromisso com a escola pública brasileira. O que essa obra testemunha, acima de tudo, é o potencial transformador da educação: a força de uma prática comprometida e consequente, a convicção de que é possível fazer a diferença, e o sentimento de dever cumprido. Ela é a professora que todos gostaríamos de ser. Ela é professora porque tem a crença inabalável na educação, e na maneira como nossas crianças e jovens precisam ser formadas. Ela é professora não apenas para transmitir conhecimentos, mas também por produzir conhecimentos por meio do magistério. Ela é professora porque escapou com valentia da mesmice pedagogizante. Ela é professora porque é feliz. Ela é professora para ser feliz.

Três momentos de uma produção didática que produziu mudanças de paradigma no ensino de Língua Portuguesa no país, que formou e ainda forma milhares de alunos e professores; uma produção de impacto social e educacional incomensurável. Essa é a obra de Magda Soares que submetemos ao Prêmio Péter Murányi/2013.

 

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