2020: luto, luta e memória

Editorial do Jornal Pensar a Educação em Pauta nº304

2019, o primeiro ano do governo Bolsonaro, foi muito ruim para a população trabalhadora brasileira, para as instituições democráticas e para o conjunto das políticas públicas. Foi um ano em que os direitos, todos eles, sem exceção, foram alvo de investidas destrutivas do governo federal e de seus aliados nos estados e municípios.

2020, no entanto, ao multiplicar algumas vezes as perversidades bolsonaristas, nos fez relativizar muito, se não esquecer, os descalabros do ano anterior. Diante de uma pandemia que varreu o planeta e ceifou milhões de vidas, o governo de Bolsonaro e seus aliados nos mostraram o quanto muitos sujeitos podem fazer das políticas de morte a razão de suas vidas.

Não bastasse a sistemática mobilização do poder executivo nacional para insurgir contra as melhores práticas de combate aos efeitos da pandemia e de garantia de vida, o bolsonarismo deu livre curso ao obscurantismo como política de Estado. Além disso, as tentativas de mostrar o impacto igualitário do vírus sobre o conjunto da população e a inevitabilidade das quase 180 mil mortes causadas pela pandemia – buscando esconder que são as populações mais pobres e marginalizadas as que mais morrem e a responsabilidade governamental por parte significativa dos óbitos – trouxe implicações também para a construção de uma memória que, uma vez mais, não faz justiça aos nossos mortos, agredindo-os duplamente.

Mas, como já foi amplamente demonstrado ao longo do ano, a pandemia não foi a única causa das grandes dificuldades pelas quais passamos, ainda que as tenha aprofundado. Todas as nossas desigualdades, que estão entre as piores do mundo, se viram agravadas e impactaram a vida das populações mais pobres em todo o país. Do mesmo modo, as violências e as agressões às vidas humanas, sobretudo da população negra, indígena, LGBTQI+ e periférica, tiveram livre curso e contaram com a ação e apoio de uma polícia cada vez mais obcecada em matar. Nestas circunstâncias, como era óbvio esperar, também as vidas das diversas outras espécies animais e vegetais que habitam o nosso território, foram continuamente agredidas e ceifadas pelos arautos da morte espalhados por todo o país.

Seria, então, 2020, um ano para esquecermos? De modo algum! Primeiro, porque o esquecimento é uma poderosa arma de dominação e tudo o que os poderosos gostariam é que esquecêssemos as suas atrocidades. Mas também, porque do mesmo modo como a perversidade e as políticas de morte se fizeram intensamente presentes entre nós, também houve, e há, a intensificação da solidariedade, das lutas sociais pela garantia da vida e pelo Estado de Direito democrático.

Foi um ano em que instituições públicas, como o SUS, mostraram a sua importância social, assim como as redes constituídas pelos movimentos sociais se mostraram imprescindíveis para o enfrentamento das políticas de morte. Ao longo de todo o ano, como se pode notar, as instituições públicas de pesquisa e seus/suas profissionais se colocaram na linha de ponta das investigações de como mitigar os impactos da pandemia sobre a população, assim como se desdobraram para comunicar com a população buscando produzir esclarecimento e ação de garantia da vida.

No campo da educação escolar, especificamente, 2020 foi um ano de grandes lutas e de conquistas expressivas. Ao mesmo tempo em que o fechamento das escolas mostrou a sua importância para o conjunto da população, a mobilização dos movimentos sociais em defesa da educação pública logrou inscrever o FUNDEB na Constituição da República. Essa e outas conquistas reforçou, também, a importância do diálogo afirmativo e de qualidade com as instituições parlamentares (Congresso, Assembleias e Câmaras Municipais), sobretudo em tempos de executivos autoritários e avessos ao diálogo democrático.

Sim, 2020 foi um ano muito difícil e doloroso! Mas é justamente por estes motivos que não podemos esquecê-lo. É preciso lembrar e elaborar, inclusive para que não repitamos, societariamente, as atrocidades que nele observamos. Se não fizermos isso, nem mesmo os mortos descansarão em paz!


Imagem de destaque: Ong Rio de Paz durante manifestação em Copacabana em memória aos 100 mil brasileiros mortos que fecha hoje pela Covid-19 no Brasil. Foto: Rio da Paz

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2020: luto, luta e memória

2019, o primeiro ano do governo Bolsonaro, foi muito ruim para a população trabalhadora brasileira, para as instituições democráticas e para o conjunto das políticas públicas. Foi um ano em que os direitos, todos eles, sem exceção, foram alvo de investidas destrutivas do governo federal e de seus aliados nos estados e municípios.

2020, no entanto, ao multiplicar algumas vezes as perversidades bolsonaristas, nos fez relativizar muito, se não esquecer, os descalabros do ano anterior. Diante de uma pandemia que varreu o planeta e ceifou milhões de vidas, o governo de Bolsonaro e seus aliados nos mostraram o quanto muitos sujeitos podem fazer das políticas de morte a razão de suas vidas.

Não bastasse a sistemática mobilização do poder executivo nacional para insurgir contra as melhores práticas de combate aos efeitos da pandemia e de garantia de vida, o bolsonarismo deu livre curso ao obscurantismo como política de Estado. Além disso, as tentativas de mostrar o impacto igualitário do vírus sobre o conjunto da população e a inevitabilidade das quase 180 mil mortes causadas pela pandemia – buscando esconder que são as populações mais pobres e marginalizadas as que mais morrem e a responsabilidade governamental por parte significativa dos óbitos – trouxe implicações também para a construção de uma memória que, uma vez mais, não faz justiça aos nossos mortos, agredindo-os duplamente.

Mas, como já foi amplamente demonstrado ao longo do ano, a pandemia não foi a única causa das grandes dificuldades pelas quais passamos, ainda que as tenha aprofundado. Todas as nossas desigualdades, que estão entre as piores do mundo, se viram agravadas e impactaram a vida das populações mais pobres em todo o país. Do mesmo modo, as violências e as agressões às vidas humanas, sobretudo da população negra, indígena, LGBTQI+ e periférica, tiveram livre curso e contaram com a ação e apoio de uma polícia cada vez mais obcecada em matar. Nestas circunstâncias, como era óbvio esperar, também as vidas das diversas outras espécies animais e vegetais que habitam o nosso território, foram continuamente agredidas e ceifadas pelos arautos da morte espalhados por todo o país.

Seria, então, 2020, um ano para esquecermos? De modo algum! Primeiro, porque o esquecimento é uma poderosa arma de dominação e tudo o que os poderosos gostariam é que esquecêssemos as suas atrocidades. Mas também, porque do mesmo modo como a perversidade e as políticas de morte se fizeram intensamente presentes entre nós, também houve, e há, a intensificação da solidariedade, das lutas sociais pela garantia da vida e pelo Estado de Direito democrático.

Foi um ano em que instituições públicas, como o SUS, mostraram a sua importância social, assim como as redes constituídas pelos movimentos sociais se mostraram imprescindíveis para o enfrentamento das políticas de morte. Ao longo de todo o ano, como se pode notar, as instituições públicas de pesquisa e seus/suas profissionais se colocaram na linha de ponta das investigações de como mitigar os impactos da pandemia sobre a população, assim como se desdobraram para comunicar com a população buscando produzir esclarecimento e ação de garantia da vida.

No campo da educação escolar, especificamente, 2020 foi um ano de grandes lutas e de conquistas expressivas. Ao mesmo tempo em que o fechamento das escolas mostrou a sua importância para o conjunto da população, a mobilização dos movimentos sociais em defesa da educação pública logrou inscrever o FUNDEB na Constituição da República. Essa e outas conquistas reforçou, também, a importância do diálogo afirmativo e de qualidade com as instituições parlamentares (Congresso, Assembleias e Câmaras Municipais), sobretudo em tempos de executivos autoritários e avessos ao diálogo democrático.

Sim, 2020 foi um ano muito difícil e doloroso! Mas é justamente por estes motivos que não podemos esquecê-lo. É preciso lembrar e elaborar, inclusive para que não repitamos, societariamente, as atrocidades que nele observamos. Se não fizermos isso, nem mesmo os mortos descansarão em paz!


Imagem de destaque: Ong Rio de Paz durante manifestação em Copacabana em memória aos 100 mil brasileiros mortos que fecha hoje pela Covid-19 no Brasil. Foto: Rio da Paz

 

 

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