Por Luciano Mendes de Faria Filho
O movimento de ocupação de várias unidades pelos(as) alunos(as) e de greve dos docentes e Técnicos Administrativos em Educação da UFMG chega em sua fase final tendo sido conduzido, internamente, de forma razoável por todas as partes. Daquilo que veio a público, exceto por um tensionamento maior ocorrido devido à depredação do prédio da Faculdade de Letras e do RU, cujos responsáveis ainda estão sendo identificados**, as demais tensões internas me pareceram dentro da normalidade da disputa política no interior de uma complexa instituição como a UFMG e num momento extremamente delicado como este que vivemos.
O mesmo não se pode dizer, todavia, dos tensionamntos trazidos e/ou produzidos por agentes externos à Universidade. Aqui, ganham destaque as duas invasões do Campus Pampulha da UFMG pela Política Militar mineira e as agressões aos(às) estudantes universitários(as) e secundaristas que protagonizavam manifestações contra a PEC 55 e a reforma do Ensino Médio. Tais violações colocaram em xeque a autonomia universitária e, mesmo, a autoridade do Governador sobre a PM do estado.
No entanto, apesar de ter havido uma boa condução política e institucional de todas as partes envolvidas, tenho receio de que a UFMG saia de todo esse movimento mais dividida do que entrou. A suspensão momentânea do cotidiano e das atividades normais de boa parte da universidade, realizada de forma inédita em relação a todos os movimentos e momentos anteriores, permitiu construir cumplicidades e parcerias e estabelecer pautas comuns de interesse e, também, explicitar diferenças e desacordos sobre as concepções de universidade e, mesmo, de situações funcionais e de carreira, sobretudo entre os docentes.
No que se refere aos docentes, às diferenças geracionais e às desigualdade de prestígio entre docentes dos diversos cursos que sempre marcaram a experiência universitária, vêm somar-se, de forma contundente, as desigualdades das diversas carreiras que subsistem no interior das instituições federais de ensino superior. É, hoje, difícil aquilatar quantas são as carreiras reais existentes e as suas diferenças e desigualdades. E esse é um grande problema para o futuro próximo da universidade, inclusive pelo enfrentamento político e institucional que teremos que fazer com a reforma da previdência e seus impactos no conjunto da população trabalhadora mas, também, em sua especificidade, na UFMG.
Do ponto de vista da concepção de universidade, mais do que a greve, talvez seja a relação com as ocupações estudantis o que mais nos dá elementos para pensar o quanto somos diversos no interior da universidade. No decorrer das ocupações as reações pessoais e/ou coletivas dos(as) professores(as) foi de franco apoio – havendo mesmo quem defendesse apoio incondicional aos(às) alunos(as)! – até a hostilização pura e simples do movimento. Não foram poucos os apelos públicos por uma intervenção contundente do Reitorado em relação às ocupações, posição essa assumida por um número expressivo de docentes e estudantes de diversos cursos da universidade. Subjacentes a essas posições estão não apenas concepções políticas e ideológicas muito diversas, mas também projetos de universidade diferentes e, em boa parte, conflitantes.
Em relação aos(às) estudantes e aos TAEs nenhum projeto de universidade a ser repactuado proximamente poderá subsistir sem a participação e o engajamento dos mesmos, seja na sua concepção seja na sua implementação. O protagonismo demonstrado pelos alunos nos últimos meses e a centralidade da ação dos TAEs em qualquer universidade do porte da UFMG, colocam esses sujeitos coletivos numa posição proeminente nas negociações sobre o futuro da universidade.
No entanto, para complexificar ainda mais nosso cenário interno, não bastassem os conflitos que têm sido produzidos pela dinâmica dos movimentos de ocupação e grevistas dos últimos meses, os quais terão desdobramentos institucionais e políticos nos próximos meses, por um longo período a universidade vai viver as articulações e os debates que levarão à escolha do(a) Reitor(a) da Universidade para o período 2018-2022. A eleição será apenas no final de 2017, mas a universidade já vive, hoje, sob sua dinâmica.
Se tal diagnóstico é minimamente verdadeiro, os próximos meses serão cruciais para a UFMG se manter como um projeto universitário único e capaz de conviver, conservar e fortalecer as diferentes maneiras de fazer e viver a universidade. E, sobretudo, serão cruciais para evitar que tais diferenças se desdobrem em injustificáveis desigualdades que coloquem em risco a unidade do projeto universitário que temos conseguido construir.
Será preciso maestria dos dirigentes, das lideranças acadêmicas e das lideranças políticas das três categorias universitárias (Docentes, Discentes e TAEs) e boa dose de boa vontade de todos(as) para que possamos, neste momento, fortalecer internamente a universidade para que possamos enfrentar os grandes problemas que se nos apresentarão nos próximos anos. De nossa capacidade de fazer isso, hoje, dependerá, em boa parte, a universidade que celebraremos no seu centenário, em 2027.
Se o momento atual é difícil e se o processo eleitoral pode contribuir para que mais diferenças venham à tona, como é natural em todas as eleições, temos, todavia, uma possibilidade de construir certos consensos também. As possibilidades são muitas, mas dependem da disponibilidade e do investimento coletivo e institucional.
Penso, por um lado, nas comemorações dos 90 anos da UFMG e nas possibilidades que elas trazem de estabilizarmos certos sentidos do projeto universitário construído há décadas e que, hoje, nos cabe dar continuidade. Essa é uma real oportunidade de explicitarmos, no espaço público, nossos acordos e desacordos sobre a UFMG que queremos. Tal explicitação é fundamental para construirmos um destino comum. Há uma iniciativa coordenada pelo atual Reitorado nessa direção.
Há, também, a proposta publicada em nota recente das três categorias (Docentes, Discentes e TAEs), de realização um Congresso Universitário. Tal proposta vem sendo veiculada há muitos anos no interior da universidade e não logrou, até o momento, ser encampada por nenhum reitorado. Pode, também, ser uma oportunidade de repactuação interna da universidade consigo mesma, mas também, e necessariamente, com os agentes, os movimentos e as instituições com as quais a UFMG interage.
Certamente há, no conjunto da Universidade, um conjunto muito maior de alternativas para a construção de espaços/tempos de debate público sobre os seus destinos. O projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022, por exemplo, definiu que o tema de seu Seminário Anual de 2017 será A Universidade e a Cidade, e tem, dentre os conferencistas, especialistas e a ativistas sociais de várias partes do país. Irá, também, produzir um documentário sobre o assunto e realizar várias outras atividades. Há, certamente, muitas outras iniciativas que precisam ser conhecidas e divulgadas, assim como outras estão em gestação.
Protagonismo importante nisso tudo podem cumprir, além do Reitorado e demais lideranças institucionais, como os(as) Diretores(as) de unidades e as lideranças políticas dos três segmentos, as lideranças acadêmicas espalhadas nas mais diversas áreas da UFMG. Nesse sentido, é preciso afirmar que, do ponto de vista acadêmico-científico não somos todos iguais, e que por razões diversas, inclusive geracionais, cabe às nossas lideranças acadêmicas um papel crucial nesse processo. Certamente, sem o concurso desses(as) colegas o projeto da UFMG Centenária que estaremos elaborando no transcurso dos próximos anos será mais pobre e, no limite, inexequível. Convencê-los da importância de conjugarem a ação nos laboratórios e nos grupos de pesquisa com a atuação no espaço público de discussão dos rumos da universidade é um desafio que se coloca para todos nós que queremos uma UFMG de excelência, mais diversa, mais inclusiva e mais democrática.