Tsunami de gentes

Ivane Laurete Perotti

Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade. (Paulo Freire)

Queria dizer em palavras o efeito de uma onda de gentes sábias.

Queria falar do horizonte sem fim desenhado pelas ruas da Capital Mineira, mas não há construção verbal que dê conta da vivência.

Queria que Freire, o Paulo, descesse a Avenida Afonso Pena equilibrado nas verdades que pregou: verdades sobre construir a sociedade pela justa educação. E no querer, vai um balde de esperança, pois que de água fria já se tomou aversão.

A educação tem versos, as gentes têm vontades e, de novo, o Paulo, aquele Freire, tinha razão: A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria. (Paulo Freire)

A boniteza estava lá: em coro e gentileza, fazia-se útil à democracia deste país. Fazia-se útil com sábia alegria e íntegra desenvoltura.

Nenhum idiota deu as caras durante a passagem da onda gigante. Até lembrei-me de Fiódor Dostoiévski, mas eis que o autor fala de outros valores em sua obra de título homônimo ao grifado: O Idiota (1868-1869), personagem central do romance russo, sofria de epilepsia e tomava-se de desmesurada compaixão pelo outro – a compaixão que demonstrava suscitou o apelidamento. Obviamente, não é este o caso.

Nenhuma barata se fez presente à (A) Metamorfose (1915) que a onda de gentes imprimiu às ruas belo-horizontinas. Kafka ficaria contente! E o Franz, também! Do mesmo modo, nenhuma iguaria lembrando almôndegas persas foi oferecida aos cidadãos manifestantes. Cidadãos gentes, úteis cidadãos de livre vontade e harmoniosa força de expressão.

Queria escrever sobre a força, a emoção e o coro de vozes patriotas em todas as ruas deste país no dia de hoje, 15 de maio de 2019. Seria querer demais, correndo o risco de repetir muitas vezes a mesma emoção: nem palavras, nem coração! E em repetindo, que se repita o mestre: Mudar é difícil mas é possível… não é, Paulo Freire?


Imagem de destaque: Ato em Belo Horizonte dia 15 de maio de 2019. Foto: Maíra Cabral/Brasil de Fato

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