Relações de poder e gestão escolar na contemporaneidade

Lucas Carneiro Costa

O presente artigo visa discutir o conceito e o fenômeno do poder nas organizações sociais, com foco na gestão escolar na contemporaneidade, sob a perspectiva de três obras diferentes: o filme “Um Senhor Estagiário” dirigido por Nancy Meyers e os artigos “Uma análise do poder organizacional sob o prisma da globalização” e “Relações de poder na escola”, de autoria de (respectivamente) Dayse Costa Lafetá e Maurício Tragtenberg.

A globalização trouxe novos parâmetros de comportamento. Nesse contexto, nasce uma necessidade de mudar as gestões – em especial das grandes empresas. Elas passam a ter outros objetivos e focos além do econômico. Mesmo o lucro sendo objetivo, as grandes empresas tornaram-se culturais e ideológicas. Elas adotam ideologias e modos de vidas mais abertos, para atrair os consumidores.

Todavia, essa situação não é algo que seja restrito a algum setor. Qualquer grupo está permeado por questões de poder. O poder é inerente ao ser humano. E isso porque o poder é político. E o homem é um animal político.

Para Weber, o poder está nas relações de mando e obediência, na relação entre empregador e empregado. Para Foucault, o poder só pode ser conquistado com barganha. Segundo essa concepção do pensador francês, o poder é uma relação desigual de trocas, onde os mais privilegiados dão o mínimo (pequenos benefícios) para os menos privilegiados, que são condicionados a serem submissos. Essas coisas mínimas fazem com que os menos privilegiados fiquem passíveis. Somado essa atitude à outras práticas, podemos dizer que é assim que se criam corpos dóceis. Já para Pagès, a organização estimula a formação de um ideal coletivo. Com esse coletivo, surge algo parecido como uma “coerção própria”. Isto é, o sujeito não se sente digno e capaz de pertencer ao coletivo. A partir daí, ele obedece às regras. Também se criam corpos dóceis dessa forma, afastando a possibilidade desses sujeitos serem críticos. Quer dizer, eles são críticos, mas estão inseridos dentro de um contexto que permite sua criticidade.

As três teorias citadas podem ser retratadas como: poder condigno, poder condicionado e poder compensatório, respectivamente. Mas tudo isso é poder disciplinar. Tudo isso é um poder que disciplina. As empresas se apresentam como fenômenos culturais para conseguir mais poder. O empregado crê que está ajudando a empresa. Crê que o poder é compartilhado. Este jogo de poder é eficiente porque ele alimenta os outros da ideia (ilusória) de independência, vontade própria e consciência individual. Portanto, as empresas afirmam seus interesses sem que isto seja imposto. É como se as empresas criassem mecanismos de indução (para funcionários e consumidores).

A tecnologia está associada e a serviço desse jogo de poder. A globalização transmite a crença de que o poder está compartilhado e vemos demonstrações de descentralização através da tecnologia. Fenômenos como aplicativos de celular são uma pequena demonstração de que o poder está compartilhado. Porém, na verdade, são as mesmas grandes empresas que estão por detrás desses acontecimentos – e mesmo que as grandes empresas sejam ultrapassadas, as novas empresas surgidas nesse novo paradigma começam a deter os monopólios, ditando as tendências organizacionais. De qualquer maneira, as práticas são as mesmas: no filme de Nancy Meyers, as empresas “novas e modernas” são retratadas com a mesma hierarquia, atuam de forma compensatória com alguns funcionários, há formação de grupos e setores específicos para cada função etc.

Em relação ao texto de Tragtenberg, ele ressalta um ponto importante sobre a escola. Para ele, a rede de relações de poder é reproduzida em escala menor na escola. Tragtenberg ressalta todos os pontos “negativos” da escola em seu texto, como controle minucioso sobre o corpo do cidadão através dos exercícios de utilização do tempo, espaço, movimento, gestos e atitudes por exemplo¹. E para ele tudo isso uma única finalidade: produzir corpos submissos, exercitados e dóceis. Tudo isso para impor uma relação de docilidade e utilidade. A educação se constitui num instrumento do poder de criação e reprodução do poder.

Várias perguntas surgem a partir da análise das três obras: o que será da escola nesse novo contexto social de organização? Será que a educação vai ser repensada para atender as demandas da globalização? Qual o custo dessa mudança? É possível ainda manter escolas autônomas e democráticas nesse cenário?

Por mais que a escola tenha em sua estrutura os pontos citados por Tragtenberg, não é possível construir uma sociedade democrática sem que ela exista. Talvez, a escola precise de uma reestruturação, precise de um novo modelo gestacional e de um rompimento com os paradigmas tradicionalistas. Precise de instâncias fortes que a garantam como um espaço aberto, plural, igual, participativo e crítico.

Nesse sentido: a atuação do professor é essencial para expor aos alunos uma pedagogia da autonomia; a atuação do diretor deve visar a garantia desse movimento; e as instâncias educacionais devem valorizar a escola como espaço de debate e tomada de decisões coletivas. A democratização da escola é urgente, tanto para combater as formas centralizadas e autoritárias de poder, quanto para se garantir a liberdade frente a uma estrutura econômica rígida.

¹ Mais: a prática de ensino reduz-se a vigilância; as normas pedagógicas marcam os alunos como ou como normais; a escola divide os alunos em séries; os que não aceitam a passagem hierárquica são punidos com exclusão; a escola se constitui num centro de discriminação; as punições escolares objetivam estigmatizar; é a estrutura escolar que legitima o poder de punir; o professor é visto como encarregado de uma missão divina, líder e chefe; o professor julga o aluno mediante nota e o aluno, por sua vez, espera do professor certo tipo de comportamento, como seu desprezo ou sua admiração; e o poder do professor se manifesta por meio de provas ou exames.


Imagem de destaque:  Taylor Wilcox / Unsplash

 

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