Reconhecer a diversidade para humanização do mundo do trabalho

Daniel Machado da Conceição

A Lei 10.097/2000 é conhecida como Lei da Aprendizagem. Ela envolve a inserção de jovens entre 14 e 24 anos no mercado de trabalho formal. Seu objetivo está centrado na garantia dos direitos trabalhistas, formação pelo trabalho, renda e incentivo à escolarização. No decorrer das últimas duas décadas novos decretos e portarias se somam a ela, com ajustes e esclarecimentos para um melhor entendimento dos programas de aprendizagem.

A contratação de um aprendiz envolve a família, a empresa contratante para realização das atividades práticas (laborais) e a entidade qualificadora, exemplo das instituições do Sistema “S”(SENAI, SENAC, SENAT, SENAR e SESCOOB.), Escolas Técnicas Profissionalizantes e Entidades Sem Fins Lucrativos (ESFL). 

As entidades qualificadoras são responsáveis pela formação técnico-profissional metódica durante todo período do contrato. Conhecimentos, habilidades e saberes fazem parte do processo de capacitação, que almeja a formação cidadã e profissional. Com esse intuito, na Portaria 723/2012, no Art. 10, item III – Conteúdos de formação Humana, letra “f”, encontramos a orientação para inclusão do tema “direitos humanos, com enfoque no respeito à orientação sexual, raça, etnia, idade, credo religioso ou opinião política”.

Os jovens aprendizes antecipadamente aprendem através da experiência no mercado de trabalho formal uma triste realidade sobre desigualdade e preconceito, começando pelo recrutamento e seleção para vagas disponíveis em que o local de moradia, raça, deficiência e gênero, são colocados como critérios subjetivos e objetivos de corte.

Tal constatação requer uma abordagem cuidadosa e engajada das entidades qualificadoras para garantir o exercício da cidadania e o acesso a direitos, entre eles o trabalho. Treinar e orientar jovens aprendizes e as empresas em que atuam, são operações que devem ser realizadas de maneira concomitante. A desconstrução de valores e de um modelo mental que dá forma à sociedade, exige grande esforço e um constante aprendizado das diferenças, promovendo por um lado, inclusão, valorização e autoestima e, por outro, conhecimento, empatia e tolerância.

A ação formativa desenvolvida com frequência pelas entidades qualificadoras objetiva a capacitação profissional dos aprendizes, sendo seu efeito possível a longo prazo uma reeducação da empresa e da cultura organizacional. A contratação de jovens que fogem aos padrões esperados pelas contratantes recebe incentivo constante, questões socioeconômicas e situações de vulnerabilidade fazem parte do perfil dos indicados para os processos de recrutamento. Infelizmente, a seleção dos indicados somente acontece quando as entidades qualificadoras assumem a condição de avalistas, prometendo um bom desempenho do referido aprendiz, isto é, apelam para responsabilidade social da empresa e na capacidade formativa do curso que será ofertado.

A Lei da Aprendizagem permite inserção profissional, no entanto, a lógica empresarial opera no momento do recrutamento, seleção e durante todo desenvolvimento das atividades laborais. Ampliar a discussão garante às entidades qualificadoras e aos educadores sociais, a aquisição de uma maior sensibilidade com esses processos, além de possibilitar aprender pela força da empatia. “Para isso, deve-se nutrir empatia pelos diversos grupos existentes na sociedade um processo intelectual que é construído ao longo do tempo e exige comprometimento: quando eu conheço uma cultura, eu a respeito. Então é essencial estudar, escutar e se informar” (RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. SP: Companhia das Letras, 2020). 

Um ponto importante nesse esforço é perceber que quando os educadores falam sobre temas como raça, gênero e capacitismo, estão falando de e sobre seus alunos/estudantes/educandos/aprendizes, de forma que a compreensão dessa relação pode garantir que a educação fomente a transformação tão esperada da sociedade.

Ampliar as lentes sobre temas tão necessários e que continuamente impedem ou dificultam a inserção e permanência de jovens aprendizes nas empresas requer um grande empenho. Discutir o tema é um passo necessário para aprimorar esse processo, o qual não deve ficar restrito as orientações da portaria para inclusão do conteúdo ou a definição de uma carga horária designada. As entidades qualificadoras e seus educadores devem viver essa condição de desnaturalização e enfrentamento, pois, caso contrário apenas reforçam estereótipos, caindo no erro da folclorização e reprodução social dos valores hegemônicos. Isto é, uma atuação formativa restrita às datas comemorativas ou motivada por fatos que ganham destaque momentâneo na mídia e redes sociais.

A Lei da Aprendizagem pode ser um dispositivo importante para mudar a cultura empresarial, fazendo galgar uma formação cidadã não só para os jovens, mas também para os seus colegas de trabalho e supervisores. A inclusão que a aprendizagem possibilita deve ser uma oportunidade para a educação e o ensino do novo profissional. Nesse sentido, as entidades qualificadoras têm grande responsabilidade na humanização atual e futura do mundo do trabalho. 


Imagem de destaque: rawpixel / PxHere

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *