É muito nunca para uma vida tão curta: por uma educação militante e jamais militar

Vagner Luciano de Andrade

 

Ao entender a partir de um caso da minha história pessoal, registro que a educação, principalmente em tempos pretéritos falhou em seu comprometimento e direcionamento para com o ser humano em sua essência. Paralelamente ao discurso que dizia que ela seria um elemento construtivo de emancipação, de libertação e de transformação, o ensino se voltou para atender prontamente ao crescimento e à industrialização das grandes urbes que recebiam camponeses analfabetos ou semiletrados. A escola tinha que se adequar aos ditames das grandes empresas e dos canteiros de obras, onde muitos subalternos se tornaram escravizados, sem direitos e sem opções. E isso decorre de um processo denso de alienação.

No período colonial, apenas os ricos tinham acesso à escolarização, começando com uma preceptora particular no interior dos casarões, até passarem por colégios internos masculinos ou femininos e depois ingressarem nas faculdades que existiam apenas na Europa. Durante o Império e a República, pouco se progrediu, situação revertida principalmente a partir da redemocratização do país, após a Ditadura Militar. A educação passou por um processo de requalificação e adequação à nova Carta Magna promulgada em 05 de outubro de 1988. Porém, enquanto estávamos em construção e reconstrução de uma série de direitos fundamentais, tendo a educação como uma das bases principais para redimensionar uma nova nação, fomos surpreendidos.

Meu pai foi um camponês que estudou pouco e imediatamente se transferiu para a cidade grande. Depois de passar pela capital mineira chegou em São Paulo onde permaneceu por algum tempo, sendo negligenciado enquanto pessoa e tendo poucas oportunidades. Por não haver estudado, se juntou à parcela significativa de “escravizados” pelo sistema. Ele se perdeu de si mesmo. Nunca se reencontrou!

Fonte: Ribs

E então, sujeito anulado e alienado, meu pai virou um pedreiro, mas nunca se tornou um engenheiro ou arquiteto como sonhara e assim seguiu até aposentar e falecer. Fico pensando, se na época dele, a educação fosse voltada para a democracia e pelos direitos humanos, como teria sido a história do meu pai. A instrução poderia ter transformado a vida dele e quando penso nele, relembro das milhares de pessoas que estão na mesma condição. Foram no passado, estão sendo no presente e serão no futuro negligenciadas, recebendo pouco ou quase nada, em termos de percepção de direitos e deveres. Se tivesse ampliado os estudos, meu pai seria um pedreiro diferente, consciente, emancipado. Recebeu pouca educação em termos de políticas públicas. Partiu sem descobrir que outra história poderia ter sido construída.

Ao perceber que alguns seres humanos recebem pouco, revejo a história do meu pai, e trago para dentro de mim mesmo um posicionamento contra esse modelo contraditório de educação e uma profunda militância para que ela, de fato, se torne algo de concreto na transformação de inúmeras vidas. Verificamos na atual conjuntura, que alguns conclamam a volta do militarismo, da violência, do ódio, da tortura, da agressão. Formas e figuras arbitrárias e monstruosas de perseguição e de assassinato se fazem presentes ameaçando as pessoas que defendem o bem. E é a partir disso que nossa coletividade precisa ser imediatamente revista no sentido de uma renúncia ao totalitarismo e ao fanatismo.

Através do voto que é obrigatório e não opcional, o atual presidente se tornou obrigatório e nunca opcional. Num momento sombrio, onde o governo defende a implantação das escolas denominadas cívico-militares, o passado ronda denunciando um futuro sombrio. Quem, do sexo masculino, não tem em casa, o certificado de reservista, uma das muitas obrigatoriedades que a vida social impõe. Quando se obriga alguém a algo, o escraviza e manipula. Estão nos obrigando! Vivemos numa sociedade, na qual o militarismo é defendido como solução para os problemas.  Os direitos coletivos historicamente conquistados foram jogados na lixeira. Voltamos ao retrocesso das décadas de Ditadura Militar. Em tempos de poucos direitos e muitos deveres, estratégias fundamentais desconstroem a educação.

Fonte: Cazo

Estrategicamente, o ensino tem sido reclassificado para atender aos ditames do mercado ampliando os índices de manipulação e alienação. Em seu projeto político-pedagógico e em sua base curricular nitidamente reafirma que nós continuamos escravagistas neocoloniais, exploradores, usurpadores e devastadores daquilo que poderia ser uma sociedade ideal para todos, sem distinções. E é neste momento, em que a educação se vê ameaçada, destituída de suas funções e objetivos principais. Bem próximo do caos, precisa se posicionar e se requalificar como fonte de resistência, espaço da democracia e semente da justiça e da igualdade. Não ao militarismo e sim à militância, enquanto manifesto e registro contrário a todas essas políticas degradadoras e devastadoras que destroem à educação, à cultura e a ecologia brasileira. Sei que pouco, mas junto com outros educadores que se posicionam ou pensam da mesma forma, cresceremos na resistência necessária para vencer o mal que assola nossa nação.


PARA IR ALÉM

¹Em memória ao meu falecido pai, Geraldo Coelho de Andrade (13/11/1943 – 17/10/2019)

Escolas cívico-militares têm base em argumento enganoso, diz especialista  -Educação UOL
Programa Nacional das Escolas Cívico Militares – Escola Civico Militar
Escolas civico militares – expansão de modelo divide opiniões – Nova Escola
Para professores, escola cívico-militar traz exclusão; militares afirmam que traz disciplina– Câmara dos Deputados

Imagem de destaque: Acervo pessoal do autor/Vagner Luciano de Andrade

 

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