Pensando bem, o teletrabalho…

Amanda Martins

8:30 – Perdeu a hora e dormiu mais do que devia. Tudo bem, faz parte.

Levanta sem pressa, arruma a cama, faz alguns alongamentos e lava o rosto. Toma café sem pressa, come uma fruta, senta pra ler um pouco.

Pensando bem, até que teletrabalho não é tão ruim…

10:00 – Senta na frente do computador, abre os planos de aula. A próxima é sobre a invasão do Brasil pelos portugueses. OK.

Google, pesquisar imagens.

10:30 – “Será que o Juan comeu hoje?”

Manda mensagem pra escola. Talvez alguém tenha notícias.

10:40 – Ninguém sabe desses detalhes.

11:00 – Prepara a atividade: texto introdutório, imagens, esquemas…

“Seria melhor se eles estivessem com os livros didáticos”.

Os que chegaram não eram suficientes pra todos, então não foram entregues.

12:00 – Mensagem das famílias. Júlia tem dúvida na tarefa da semana retrasada.

“Está atrasada porque português e matemática são mais importantes”, disse a mãe.

Procura a atividade, explica, dá exemplos, se despede.

12:30 – Volta pros portugueses.

Já é hora do almoço.

“Será que a mãe do Rodrigo ainda tá desempregada? Tomara que tenha conseguido a cesta básica da prefeitura.”

Volta pros portugueses. Acabou o texto introdutório, vai elaborar as atividades.

“Não tem espaço na folha, preciso usar outra pras perguntas.”

Manda mensagem pra escola. Só pode uma folha. Vai ter que fazer caber.

13:30 – Deu um jeito diminuindo a fonte.

“A Paula não enxerga bem, mas só pode uma folha…”

Ficou tonta. Lembrou que ainda não tinha almoçado. Come uma banana e volta pro computador. Ainda precisa gravar o vídeo da aula.

14:00 – Troca de roupa, dá um jeito no cabelo, arruma a parte do quarto que vai aparecer no vídeo. Grava cinco vezes até ficar bom.

15:00 – Edita o vídeo, faz upload pro Youtube. Enquanto espera, vai ver o vídeo da semana passada: 12 visualizações. Nem ¼ dos alunos assistiu.

Dá uma espiada no Youtuber que os alunos gostam: 100 mil visualizações no vídeo abrindo uma boneca de 500 reais.

“Será que a Rita voltou pro hospital?”

15:40 – Já acabou o horário, mas ainda falta muita coisa.

Pesquisa, organiza, edita, escreve, cria, grava, edita, posta, pesquisa, escreve, reescreve, monta, organiza, edita…

17:00 – Para um pouco. Precisa almoçar.

Almoça, responde email, fecha tudo. Acabou o primeiro round turno.

17:20 – Reunião da outra escola. Troca o papel, agora é supervisora.

Volta pro computador, abre planilha, abre resolução, abre memorando, explica resolução, explica memorando, ouve desabafo de professor, desabafa também. Tira dúvida, estabelece prazo, lembra do prazo, ouve desabafo, sofre junto.

18:40 – Fim da reunião. Organiza planilha, revisa o material.

“Será que a Bia conseguiu alguém pra ficar com o bebê pra ir trabalhar?

19:30 – Responde professor, responde diretor.

“Será que a medida protetiva da Luiza saiu?”

20:20 – Revisa atividade, manda mensagem pro professor, explica o problema. Ajuda a corrigir, recebe de volta, revisa. Ficou bom.

21:00 – Recebe email do diretor: resolução nova. Lê a resolução.

“Será que o filho do Pedro saiu do hospital?”

21:30 – Responde professor. Tá cansado, precisa desabafar. Ouve o desabafo, fala que vai melhorar.

22:30 – “Será que o João conseguiu o emprego no hotel? Ele estava animado pra entrevista.”

Conversa com os amigos. Ri um pouco. Conversa com a família. Toma banho, toma o remédio pra dormir. O médico receitou junto com os antidepressivos. A cabeça tá cheia.

Pensando bem, até que teletrabalho…

*Pedagoga formada pena Universidade do Estado de Minas Gerais. Se divide (ou multiplica?) em vários papéis na escola pública. Atualmente trabalha como professora e orientadora educacional.


Imagem de destaque: Robert Bye / Unsplash

 

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