EDITORIAL Nº264
Esta semana, duas tragédias chamaram a atenção da mídia e da sociedade brasileira: o massacre de jovens negros brasileiros e os resultados do PISA divulgados internacionalmente. São acontecimentos diferentes em quase tudo, mas cujo entrelaçamento mostra muito profundamente o que é o país que nossas elites políticas e empresariais insistem em construir e perpetuar por aqui.
Aparentemente distantes, o massacre dos jovens negros e os resultados do PISA se aproximam pela sua reiteração: são de certa forma, esperados. Resultam, e se repetem, devido contínua, e seletiva, ação do Estado brasileiro em suas diversas instâncias em relação à população mais pobre e negra do país. O aumento contínuo da violência oficial contra os jovens negros, o chamamento à violência policial por parte de camadas expressivas da sociedade contra as populações da periferia, são a outra face da moeda do desmantelamento das políticas públicas de atendimento às populações pobres e negras, da nefasta atuação do governo de Bolsonaro em relação aos direitos humanos e sociais.
Na cobertura jornalística de um e outro episódio, também há reiteração, salvo pouquíssimas exceções. Ocupando às vezes as mesmas páginas, as notícias sobre o massacre dos jovens e os resultados do PISA são produzidas de forma sensacionalista, sem quase nunca ajudar ao leitor a entender as causas mais profundas das origens múltiplas das violências brasileiras e da institucionalização, e naturalização, da ação perversa das autoridades e agentes de Estado contra a população que deveria defender. As comparações entre “Brasil e Finlândia” se sucedem no tempo e no espaço das notícias, e reiteram a nossa suposta, e coletiva, incapacidade de fazer, aqui, uma sociedade branca e “higienizada” como a europeia, ou simplesmente, como aquela de Higienópolis.
A coletivização das responsabilidades e a ausência de uma demanda clara e, mesmo, agressiva de punição aos responsáveis pelas nossas tragédias, são formas de nossas elites políticas e empresariais não assumirem que o problema é, de fato, a contínua apropriação do Estado e de suas políticas para atender às suas necessidades de concentração de riquezas e de manutenção das formas de dominação e espoliação da população pobre e trabalhadora do país.
Certamente o conjunto das circunstâncias que resulta da perversa ação da PM em Paraisópolis e nos dados do PISA não é de responsabilidade única dos governos Dória e Bolsonaro. Resultam, no mínimo, de 500 anos de mobilização da violência, em todas as suas formas, como forma de governo das populações pelas estruturas de Estados que aqui se implantou. No entanto, por outro lado, não nos é possível dissociar os governos Dória e Bolsonaro desses resultados. Mais ainda, os governos Dória e Bolsonaro são formas, as mais lapidadas possível, da perversidade descomunal com que se mobiliza a polícia e as políticas de Estado contra a população.
Não bastasse isso, as formas como as duas tragédias, de proporções humanas, pessoais e sociais muito distintas, são veiculadas pela imprensa e repercutida por boa parte dos analistas bem estabelecidos nas mídias, impedem que vejamos os modos de sociabilidades juvenis na periferia, e a ação das escolas públicas nestes mesmos territórios, como importantes espaços-tempos de resistência e de defesa da vida.
É preciso, pois, atravessar as tragédias para, do outro lado, ver a contínua, operosa e coletiva ação de milhares de jovens, de mulheres (sobretudo) e homens, para que, apesar, e contra, as circunstâncias, tenhamos aqui e já, outro país, diferente daquele que, perversamente, os Dórias e os Bolsonaros querem nos impingir. Se formos capazes de fazer isso, e não culpabilizar as populações e as juventudes da periferia pela violência e, por outro lado, as professoras e demais profissionais da educação pelos resultados da escola brasileira, teremos dado um passo importante para evitarmos que tudo isso se repita a cada dia, a cada semana, a cada mês de cada ano dos séculos vindouros.
Imagem de destaque: Roberto Parizotti/ Secom CUT