Os critérios de avaliação dos Programas: instabilidade e indefinição – exclusivo

Luciano Mendes de Faria Filho

No Brasil é difícil estabelecer, com segurança, quais são os critérios para avaliar a excelência dos Programas de Pós Graduação em Educação, seja em sua face de formação de novos pesquisadores e professores, seja em relação aos resultados da pesquisa realizada. Mesmo os pesquisadores (e avaliadores) mais experientes demonstram ter dúvidas a esse respeito, e os critérios mobilizados estão sujeitos a razoável controvérsia e desconfiança. Neste momento mesmo, estamos caminhando para o final do quarto ano do quadriênio que será avaliado e os critérios de avaliação da pós-graduação ainda não foram estabelecidos publicamente pela Comissão de Área. É como se estivéssemos definindo as regras do jogo após o seu término!

As razões dessa nossa dificuldade podem ser buscadas em diferentes dimensões do campo educacional. Há, por um lado, o fato de que a institucionalização da pesquisa ocorre muito recentemente e pelas mãos da própria pós-graduação, como já se disse num dos textos desta série. A ausência de uma tradição de pesquisa autônoma em relação à pós-graduação nos fez crer que avaliar a pós-graduação é avaliar a pesquisa. Interligado a isso está, sem dúvida, a falta de uma clara distinção entre a pós-graduação como locus de formação de pesquisadores e professores e como locus de realização da pesquisa. Disso resulta, muitas vezes, a confusão de querermos fazer o contrário do que se disse acima: a crença de que avaliar os resultados da pesquisa é avaliar a pós-graduação.

Há, ainda, outra razão para a nossa particular dificuldade de dar estabilidade aos critérios para a avaliação da pós-graduação: o fato de que a Área não tem autonomia para definir os seus próprios critérios. Essa dimensão, das mais importantes, está relacionada à forma como se organizou o sistema CAPES, com a proeminência daquelas áreas que mais acumularam capital científico-acadêmico e, portanto, poder na definição das regras do jogo. Como a avaliação está umbilicalmente relacionada ao financiamento, controlar as formas de avaliar é, também, controlar o fluxo de financiamento dentro do sistema. Mas há, também, a compreensão das Áreas melhor estabelecidas no campo acadêmico de que elas podem, e devem, tutelar as demais áreas, notadamente das Ciências Humanas e Sociais, de tal forma que os critérios de cientificidade e legitimidade daquelas possam servir de parâmetros para a realização de “boas pesquisas” por estas últimas.

Dessas razões resulta parte significativa de nossas dificuldades em definir e dar estabilidade aos nossos critérios de avaliação. Mas, creio, há outro conjunto de fatores internos à Área que nos criam constrangimentos, às vezes impossíveis de serem removidos, na definição e estabilização dos critérios.

Como um objeto de investigação e uma prática social situados no terreno da cultura e que, portando, envolve todas as dimensões do mundo social, a educação é marcadamente polissêmica. Parte dessa polissemia marca, obviamente, as próprias noções de qualidade, ou de excelência, mobilizadas pelos distintos atores que disputam o campo educacional. Não raramente, por isso, na avaliação da pós-graduação, os sujeitos estabelecem a legitimidade de suas posições não a partir do campo acadêmico-científico, mas a partir das razões políticas e ideológicas.

A este fator soma-se o fato de sermos uma Área muito grande, diversificada e de baixa institucionalização acadêmico-científica. Somos, hoje, como já se disse, quase 250 cursos, temos fronteiras ou porosidade com praticamente todas as demais áreas do sistema. Isso que faz com que tenhamos pesquisadores e alunos que foram formados nas mais diversas culturas acadêmico-científicas (inclusive em nenhuma cultura acadêmico-científica!) e boa parte de nossas estruturas funciona de forma quase amadora, para dizer o mínimo.

Para dar um exemplo: a publicação em periódicos científicos é um dos principais critérios mobilizados, hoje, para avaliar a excelência dos Programas de Pós Graduação e, talvez por isso, somos, seguramente, a Área do sistema de Pós Graduação que conta com o maior número de periódicos científicos nacionais. No entanto, todo o complexo sistema de publicação de periódicos funciona de forma extremamente amadora e, portanto, sujeito a vicissitudes institucionais e pessoais as mais elementares. A sorte de nossos periódicos está sempre a depender da mudança de Direção de um Centro ou Faculdade ao da continuidade ou não da ação de um(a) “dedicado(a)” editor(a)! Isso, evidentemente, sem dizer das contínuas mudanças e interrupções que marcam a política de financiamento dos periódicos pelas agências de fomento e pelas nossas instituições.

No entanto, a par disso tudo, é preciso perguntar se seria possível definir e estabilizar os critérios básicos de avaliação dos Programas de Pós Graduação. E, se sim, em que direção deveríamos caminhar.

Em primeiro lugar, creio que o fundamento primeiro de qualquer critério de avaliação é o fato de que ele deve ser conhecido por todos os participantes antes do início do jogo. Não é possível levar muito a sério uma avaliação cujos critérios mobilizados pelos avaliadores são definidos a posteriori, depois de jogo terminado. Se eu não sabia como seria julgado, como posso ser cobrado por algo que fiz ou deixei de fazer? E, convenhamos, não há razão para que não saibamos, de antemão, quais serão os critérios básicos que serão utilizados na avaliação de nossos Programas. Mesmo as grandes controvérsias que marcam a Área, como se disse, não são justificativas suficientes: como a avaliação é, agora, quadrienal, de quatro em quatro anos as controvérsias poderiam ser reapresentadas, discutidas e, se fosse o caso, os critérios poderiam mudar.

Nesse sentido, uma das primeiras e mais importantes iniciativas para tornar a avaliação mais legítima e transparente a todos seria a definição clara dos critérios antes do início do período que será avaliado. Não precisaria nem ser em relação a todos os critérios mas, pelo menos, aqueles basilares, tais como os referentes à avaliação da produção científica (o Qualis Periódico e os critérios de avaliação dos livros, por exemplo) e aqueles também fundamentais referentes à avaliação da formação ofertada pelos programas a seus alunos. Não há razão para que não possamos acordar que o Qualis estabelecido no início do primeiro ano do quadriênio valerá para os quatro anos e que somente será alterado, no percurso, devido à inclusão de novos periódicos. A alegada razão de que os periódicos mudam de “qualidade” ao longo do quadriênio não é nem um pouco convincente diante do prejuízo trazido pela incerteza da indefinição dos critérios.

Nesse último aspecto, penso que já está mais do que na hora de nos insurgirmos coletivamente contra critérios de avaliação que, notoriamente, não servem nem para avaliar a qualidade da formação e, muito menos, a qualidade da produção, mas que têm razoável peso na avaliação dos Programas. Um deles é, certamente, o prazo de conclusão do curso. Não há razão intrínseca à Pós Graduação para dizer que alguém tem que defender uma dissertação em 24 meses ou uma tese em 48 meses. Talvez por isso mesmo em praticamente nenhum outro país haja critério de tempo de conclusão tão rigidamente demarcado como no Brasil. As duas únicas razões que sustentam a permanência desse critério é a (in)capacidade de financiamento do sistema, por meio das bolsas, e a necessidade de acelerar a consecução das metas de formação de mestres e doutores estabelecidas pelas nossas agências de fomento e avaliação. Do ponto de vista dos tempos lógicos da pesquisa e da formação e, mesmo, do papel social dos nossos Programas, o tempo de conclusão rigidamente estabelecido pode ser absolutamente contraproducente.

Do mesmo modo, penso que não podemos confundir a qualidade da formação com a qualidade da pesquisa, aferida esta por meio da avaliação das publicações. Se a Pós Graduação é, primeiramente, locus da formação de novos pesquisadores e de professores e, secundariamente, locus da pesquisa de ponta, é preciso que desenvolvamos critérios para avaliar a formação ofertada por esses programas. Aferir apenas a “proposta do curso” e as “ofertas de disciplina” é muito pouco. Uma das formas de fazer isso seria considerar que a dissertação e a tese, mais do que o artigo publicado em revista, o trabalho completo em anais de evento ou o capítulo, objetivam a qualidade do programa tal como foi apreendida pelos alunos. Nesse caso, seria necessário avaliar, também, as dissertações e teses defendidas.

Finalmente, uma questão de grande relevância é a definição dos critérios de classificação dos Programas como sendo de excelência internacional, ou seja, com as notas 6 e 7. Dado que os Programas de notas 6 e 7 ganham grande notoriedade e participam de uma forma particular de financiamento no conjunto do sistema, há grande interesse e necessidade de que os critérios de “acesso” a esta classificação sejam conhecidos por todos. E, dado o fato de que é preciso razoável nível de planejamento e um largo tempo para que um Programa possa chegar e se estabilizar nesse nível, é de grande importância que os critérios para isso sejam claros e gozem de razoável estabilidade. Não é desejável, por exemplo, que tais critérios mudem radicalmente a cada período de avaliação. Se assim o é, aqui, ainda mais do que na avaliação geral da pós-graduação, é imperioso que sejam conhecidos com grande antecedência.

Mesmo que haja um conjunto de outros expressivos elementos envolvidos na definição dos critérios de avaliação dos Programas de Pós Graduação, é preciso que o texto termine. E, ao fazê-lo, gostaria de retomar uma dimensão pouco mobilizada no âmbito da discussão do tema: como realizar uma avaliação que seja, também, mais justa do ponto de vista educacional, social e, mesmo, financeira? Essa questão nos remete à difícil tarefa de produzir e mobilizar critérios de avaliação que apreendam o Programa como um todo, e não somente como reunião ou somatório de pesquisadores e alunos particulares. Não pode ser justa, por exemplo, uma avaliação que não considere as enormes desigualdades econômicas e financeiras que marcam nossas regiões e, mesmo, os estados da federação. É a respeito dessas e de outras questões que vamos discutir no próximo texto ao defender a necessidade de estabelecermos critérios que distingam claramente a avaliação dos Programas daquelas avaliações que incidem sobre os pesquisadores individuais.

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