02 de julho e a Independência da Bahia: “os baianos são um povo de brasileiros”

Marcelo Gomes da Silva1

Não tive o “alto privilégio” de nascer baiano, mas, a expressão atribuída a Jorge Amado já dizia: “baiano é um estado de espírito”. Nesta incursão pela Bahia, trataremos de identidades, regionalismos e narrativas relacionadas com duas efemérides importantes: Sete de setembro de 1822 e Dois de julho de 1823

Dois registros que demarcam lugares, criando sentidos e pertencimentos, além de construírem a ideia de povo e liberdade. As comemorações das independências (do Brasil e da Bahia) são lugares de memória que habitam os livros didáticos de História e as festas cívicas escolares, as quais contribuíram consideravelmente pra a “formação da identidade nacional” e do “ser brasileiro”. 

A produção de narrativas sobre os processos de independência não partiu, apenas, desses lugares. As pesquisas em curso, permitem observarmos algumas estruturas discursivas permanecentes na imprensa, com destaque às comemorações das datas referenciadas. 

A ideia de identidade nacional é publicada no jornal Nova Sentinela da Liberdade, em 1831. Ao descrever os eventos em torno do Dois de julho, reforçava-se o discurso de que “prevaleceu a união brasileira” e que os baianos tratavam de “um povo de brasileiros”. Ainda, conclamava-se a manterem no coração “o fogo ardente da liberdade”.  Assim como no documento anterior, verifica-se a repetição dos termos “povo”, “liberdade” e “patriotismo” ao longo dos anos na imprensa baiana. 

Decorridos 53 anos do levante na Bahia, O Monitor, de 1876, em outra fonte analisada, exaltavam as “virtudes cívicas e o amor à liberdade” do povo baiano. Também, a ideia da independência inacabada, como uma constante defesa e reconquista era disseminada pelos jornais. Dizia-se: “os filhos dos bravos da independência hão de cumprir o legado, hão de completar a obra de seus pais”. A narrativa pela liberdade ganhou circulação nas comemorações de 90 anos do Dois de julho, na Gazeta de Notícias, em 1913. 

Ao noticiarem as comemorações das independências, fossem elas do Brasil ou da Bahia, os jornais reforçavam um discurso característico ao enredo anterior, assim como usavam os eventos como uma forma de reflexão sobre seu próprio tempo. É o que observamos no Pequeno Jornal, em 1890, quando se anunciava que “o dia 07 de setembro só pode servir para nos fazer compreender a nossa miséria presente”. Pelo contexto de pós-abolição, a figura da princesa Isabel aparecia como a redentora dos escravos e o jornal afirmava, ainda, uma segunda independência nacional, o 13 de maio. Nas buscas, não se localizou menção ao período e estado de escravidão nas inúmeras narrativas de exaltação da “liberdade”. 

Em outras narrativas trazidas pelo O Monitor, em 1878, o recurso de propor a relação passado/presente simulava uma “conversa” entre duas temporalidades, o 07 setembro de 1823 e o 07 de setembro de 1878, um exercício de pensar aquela atualidade através da efeméride. Percebam que elegeram o ano de 1823 como data da independência, mesmo não desconsiderando o marco do Sete de setembro

A escolha pela independência da Bahia consiste em uma característica marcante nos jornais baianos. Quando ela não é destacada, as duas “independências” são comumente tratadas de forma conjunta. No já citado Pequeno Jornal, de 06 de setembro de 1890, a notícia sobre o Sete de setembro termina com a frase: “os heróis de 23 nos contemplam das alturas”. Na capa da Gazeta de Notícias, de 07 de setembro de 1912, é publicada a imagem do monumento Dois de julho, que teve sua construção aprovada pela comissão dos festejos de 1887, com a previsão do encerramento da obra em 1891, como relatado no Pequeno Jornal do ano em questão.

Ressaltamos que as efemérides são lugares de memórias, marcos que apontam para a manutenção de certos valores cívicos, mas que também oportunizam a reflexão sobre a não existência desses valores no tempo presente. A construção de símbolos e monumentos também são registros importantes, neste processo. No caso da Bahia, o monumento Dois de julho é uma referência ainda nos dias atuais. 

É possível afirmar que as “independências” aqui tratadas concorrem na formação das identidades, mas também se complementam. O Brasil só é o Brasil devido o Dois de julho, por outro lado, o Dois de julho só existe por causa do Sete de setembro. Esta é a ideia percebida a partir da imprensa baiana ao longo dos anos, sintetizada em A Manhã, de 1920, dois anos antes do Centenário da Independência do Brasil. Qual era o centenário a se comemorar?

Em termos de narrativas históricas, é mais frutífero defender aquela que ilumina a memória de luta e resistência dos povos que habitaram o território onde hoje se denomina Bahia.  Como exemplo, temos a Guerra dos Aimorés e o levante dos Tupinambás (Século XVII); a revolta dos escravos em Ilhéus e a revolta dos búzios (século XVIII); a revolta dos malês e as constantes resistências negras (século XIX); sem deixar de enfatizar a luta pela sobrevivência cotidiana atual. E, em 2021, há exatos 198 anos da Independência da Bahia, há quase 200 anos de Independência do Brasil, qual reflexão nos cabe elaborar? 

 

1 – Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz – PPGE/DCIE/UESC.Coordenador do Grupo de Pesquisa em Política e História da Educação – GRUPPHED. Membro do Portal do Bicentenário


Imagem de destaque: Jornal A Manhã, 08 de abril de 1920, p.1. Fonte: Biblioteca Nacional

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *