Considero a paciência a principal virtude de um professor ou professora. Nossa paciência deve ir além do normal, isto é, além da norma. E por muitas e variadas vezes vai além da norma, da lei, na medida em que considero que o limite da paciência é a lei. Conversar e dialogar até não poder mais. Em algumas culturas aplica-se a lei, representada pela tradição, como alguns de nossos povos indígenas. Ou seja, a força coletiva que expressa a lei. Em outras, a força física mesmo. Com toda a sua selvageria e dureza. Não há espaço para a paciência, nem mesmo com crianças ou adolescentes, ainda em formação. A lei e a paciência na sua execução foram deixadas de lado.
Estamos vivendo um tempo temeroso, onde a força substitui a lei. Onde a Bancada BBB – boi, bíblia e bala, no Congresso Nacional, pretende encarcerar meninos e meninas. Onde o linchamento físico e verbal campeia solto em nossa sociedade. Onde o clima de guerra civil se instaurou desde as eleições presidenciais de 2014, com uma mídia insuflando a população a novos linchamentos.
O linchamento midiático tornou-se moda com a internet maximizando e reverberando a falta de informação. Se antes o panfleto caro da gráfica convidava os manifestantes ao picho, hoje a pichação blogueira e das redes sociais deterioraram a comunicação verbal e não verbal entre os leitores da internet. Se antes a pichação tinha um cunho político, hoje é grande sujeira nos muros da cidade, tapando o grafite que aponta uma nova possibilidade. Diz-se que… Deu na Folha… Ouvi dizer… Fora…
Produtores de notícia são também produtores de conhecimento, na medida em que é preciso bom material para análise. Porém, hoje mais do que nunca, é preciso desconfiar de todas as fontes. O Assessor de Imprensa da empresa ou do governo, o Porta-voz do Deputado, apenas oficializam uma mentira que vai sendo replicada como se fosse verdade. O problema é que o blogueiro não tem que lhe cobre a responsabilidade por criar ou replicar uma informação falsa. No limite, seu blog sai do ar. O estrago não, pois continua sendo replicado. Os perfis em redes sociais, muito menos. E a liberdade de expressão vai sendo maculada (porém, prefiro-a assim). É preciso estar atento e forte, já alertava Caetano, a tudo e a todos.
Para Darcy Ribeiro, professor que admiro muito, a outra característica de um professor é a incorruptibilidade. Em tempos de tanta corrupção o que é ser incorruptível? Nesses tempos, o que devem fazer os professores e professoras? Qualquer coisa, menos se calar, principalmente para os seus alunos e alunas.
Todo professor ou professora deve ser um leitor não apenas em potencial, mas muito mais em ação. Em potência já o somos na medida em que a nossa profissão exige-nos um alto grau de letramento e proficiência em leitura, em todos os gêneros e suportes. Ler as mídias que tem buscado mais confundir do que esclarecer a população, jogando-a de um para o outro lado como massa de manobra, na defesa de supostos interesses sociais com o discurso da maioria e da satisfação da vontade geral.
Ler as entrelinhas. A intenção do anunciante. A intenção do legislador. Ler a cor. A letra garrafal para tal ou qual manchete. O esconder a outra manchete. O tamanho da foto. A magnitude do número (os números santificam, dizia Chaplin). Observar o leitor que replicou a notícia. Inquirir a fonte. De onde veio isso? Para onde vai isso? A quem se destina tal informação? Onde está sendo jogado esse jogo? Há interesses espalhados em todos os segmentos sociais, em todos os indivíduos.
É daqui que nasce a nossa incorruptibilidade. Da maior ou menor capacidade de pensar com liberdade e autonomia. De refletir e dizer o que se pensa sobre o mundo que lemos e devemos ler sempre. É a nossa autonomia de pensamento que nos confere a autoridade necessária para sermos ouvidos. A razão deve ser a nossa guia. Não a superstição, a mentira, a fraude. Não podemos conduzir as pessoas à prisão que a mídia ou a fala oficial oferece cotidianamente. Não podemos permitir nas pessoas um processo de aceitação do que está dito, do que está posto. Não podemos permitir a construção do consenso. Não podemos permitir a bestialização popular em relação à política.
Precisamos fazer as pessoas pensarem sobre o que lêem, o que ouvem, o que passam adiante. Uma má opinião construída com autonomia de pensamento é melhor do que a cópia da opinião de outrem. Temos a obrigação moral de questionar e provocar novas leituras. Os pontos de vistas não devem convergir: devem se cruzar alterando suas rotas. Como num prisma que transforma o único em vários.
Os professores devem falar. E falar muito. Convidar à reflexão colocando todos os pontos de vista possíveis, porém, oferecendo a também a sua análise. Precisamos nos tornar alto-falantes, capazes de leituras e pontos de vista autênticos e autônomos. Podemos errar? Sim. Mas com opiniões e convicções próprias.