O direito à educação em tempos de pandemia

Luiz Carlos C. B. Rena

 “A educação enquanto um direito humano fundamental é a chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz e a estabilidade dentro e entre países e, portanto, um meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI. Não se pode mais postergar esforços para atingir as metas de EPT. As necessidades básicas da aprendizagem podem e devem ser alcançadas com urgência.” (Declaração de Dakar, 2000)

Essa semana tivemos o Dia Mundial da Educação celebrado em 28 de abril. Talvez seja a primeira vez desde 2000, quando se realizou em Dakar o Fórum Mundial da Educação, que celebramos o direito à educação com as crianças, adolescentes e jovens isolados e privados da convivência das salas de aula, dos corredores e pátios da escola.

Reforçando as metas da “Educação para Todos” O Fórum de Dakar alerta para o fato de que a educação é condição para o desenvolvimento sustentável e para a estabilidade política, agregando valor à DUDH que proclama: “A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.” (DUDH, Artigo XXVI)

O direito à educação anunciado na Declaração Universal dos Direitos Humanos foi reconhecido e consagrado na Constituição de 1988: ” A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (CF, 1988). No entanto, sempre que estamos vivendo situações de exceção como a atual, em que a sociedade é obrigada repentinamente a reorganizar seu cotidiano, o espírito autoritário se apresenta relativizando os Direitos Humanos. Direitos básicos e direitos civis conquistados após séculos de luta, como componente do esforço de humanização, são suspensos ou simplesmente eliminados.

Entre todos os desafios que emergem da pandemia de Covid-19 chama a atenção as iniciativas do poder público e das organizações privadas responsáveis por garantir o Direito Humano à Educação. A Educação a Distância – EAD é anunciada como a primeira e quase única estratégia de resposta para continuidade da educação formal, que assegura a escolarização de crianças, adolescentes, bem como a profissionalização de jovens e adultos. Há que se cumprir o calendário escolar, mesmo que com uma qualidade discutível. Contudo, essa euforia com a EAD esbarra na realidade de um enorme contingente de 27 milhões famílias brasileiras que não tem acesso a internet: Mais de um terço (39%) dos domicílios brasileiros ainda não tem nenhuma forma de acesso à internet. Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2017, divulgada hoje (24) pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br, 2018)” Há um outro conjunto de domicílios em que apenas uma pessoa tem acesso a WWW (rede mundial de computadores) e quase sempre é o adulto da casa que faz de seu celular sua ferramenta de trabalho. E ainda podemos falar de um outro grupo que está conectado à rede através de conexões de baixa qualidade e/ou curta duração. Esses entre outros condicionantes de natureza social e tecnológica estão sendo desconsiderados por gestores das políticas públicas e das redes educacionais públicas e privadas ao afirmar a continuidade do ano letivo em 2020.

É importante ressaltar que não são apenas as dificuldades de acesso à tecnologia de informação e à internet que comprometem a qualidade da educação. Cumprir a carga horária diária prevista no projeto curricular em qualquer nível da educação básica ou superior diante de uma máquina produz efeitos colaterais inevitáveis: um grau de cansaço mental que reduz muito o nível de atenção; impossibilidade da interação quando o conteúdo é transmitido por vídeo-aula; uma carga excessiva de conteúdo escrito e os danos causados à saúde dos olhos expostos à tela luminosa por longo tempo

Essa situação evidencia o aprofundamento do apartheid educacional a que estão submetidos(as) crianças, adolescentes e jovens brasileiros(as) em tempos de pandemia e isolamento social. Essa ênfase na oferta de conteúdos por EAD em todos os níveis do sistema educacional brasileiro não atende as necessidades das famílias empobrecidas e reforça o capital cultural de uma pequena parcela da população. Movimentos sociais, organizações sindicais dos trabalhadores da educação, organizações estudantis e associações de pais deveriam se movimentar no sentido de defender o cumprimento efetivo do direito à educação, denunciando esse arranjo enganoso que compromete uma formação de qualidade.


Imagem de destaque: Prawny / Pixabay

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