O 07 de setembro é uma data cívica importante no Brasil, ainda que no país as festas cívicas não tenham a mesma notoriedade oficial das festas religiosas. Ao longo dos séculos XIX e XX foram feitos grandes esforços oficiais para estabilizar os sentidos do 07 de setembro como a data da Independência Nacional, mesmo que, como sabemos, a ideia de nacional aí posta tenha resultado, justamente, destes esforços.
A dimensão oficial e, sobretudo, militar das festas de 07 de setembro resultam, por um lado, do próprio processo de independência do país e, por outro, da sistemática atuação política das forças armadas brasileiras.
A Independência nacional provém de acordos entre a própria Coroa Portuguesa e as elites nacionais e internacionais, num movimento sem participação popular e que foi conduzido para que tudo permanecesse como antes, pelo menos no que diz respeito aos elementos estruturantes da sociedade brasileira, então em formação: a escravidão, o latifúndio, a proeminência dos grandes proprietários e a contínua afirmação da necessidade de civilização do povo inculto e selvagem.
Não é por acaso que, desse processo, ergue-se um Império nos Trópicos, comandado pelo herdeiro da Coroa Portuguesa, uma Constituição outorgada e um conjunto expressivo de movimentos separatistas. Tais instabilidades internas e, depois, a construção estratégica dos inimigos externos, aliadas à necessidade de manutenção da “plebe ignara e revoltosa” sob controle, criaram condições para uma presença contínua das forças da ordem no espaço público e lhes garantiram lugar de destaque na política nacional.
De um Golpe de Estado, comandado por militares, padeceu a nossa República, reforçando o ímpeto autoritário e antidemocrático de nossas instituições e de nossa cultura política. Também na República, os símbolos que pelos quais se buscava representar a unidade nacional – o Grito do Ipiranga, eternizado no quadro de Pedro Américo, de 1888; a figura militarizada e martirizada de Tiradentes; Deodoro da Fonseca, sempre e sempre a empunhar sua espada – forma largamente cultivados e difundidos, sobretudo por meio da crescente presença da escola nos diversos territórios nacionais.
Não por acaso, ao longo do século XX, os diversos regimes autoritários e de exceção que marcaram a vida nacional foram pródigos na mobilização dos símbolos e, agora, dos sujeitos escolares, notadamente estudantes e professoras(es), em busca da afirmação da unidade nacional. As festas cívicas em torno do 07 de setembro ganham maior presença na cena social justamente no encontro destas duas forças: os militares, mobilizados nos quartéis, e as(os) estudantes, mobilizadas(os) na escola.
A nossa educação cívica e histórica em torno do 07 de setembro resulta, dentre outros, da militarização do espaço social e público e, não menos importante, pela participação controlada dos estudantes nas festas cívicas. Essa estabilidade em torno da festa da independência somente foi posta em cheque em alguns poucos momentos de nossa história. Aqui, merece destaque a organização do Grito dos Excluídos, uma iniciativa dos movimentos sociais democráticos em incluir outros sujeitos e sentidos na história das independências.
Não é por acaso, pois, que o movimentos antidemocráticos do país estejam arregimentando forças para, no dia 07 de setembro próximo, darem um Golpe de Estado, rasgarem a Constituição e, numa espécie de marcha a ré na história, entronizaram Jair Messias Bolsonaro como o novo Imperador das Trevas.
Ainda que a festa cívica de 7 de setembro raramente tenha dado lugar a manifestações oficiais democráticas e civis, não é tolerável, dentro do Estado Democrático de Direito, que tal data seja utilizada para manifestações anti-democráticas e protofascistas como as que têm sido convocadas. Bem faz o Supremo Tribunal Federal em buscar agir em defesa das instituições democráticas e das garantias constitucionais. No entanto, sabemos que o problema não é somente jurídico, mas político, e como tal deve ser entendido e combativo.