Memórias da Escola 22

Cleide Maciel

Não me lembro de que o binômio escola/dinheiro, no tempo em que trabalhei como professora e supervisora escolar, tenha representado uma relação positiva! Durante todo o percurso, escola significou o lugar da falta de dinheiro, da carência… Não o lugar da miséria, mas o do “cobertor curto”, da vida equilibrada em “corda bamba”, da tulha mostrando seu fundo… Durante o Curso Normal, silêncio absoluto sobre essa dura realidade marcando a docência… Afinal, magistério era vocação e, por isso mesmo, incompatível com assuntos relacionados ao vil metal!

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De onde vinham os recursos financeiros de que a escola precisava para suas despesas corriqueiras? Que gastos eram esses? Invertendo as respostas. Tínhamos que cuidar da manutenção do prédio (pequenas reformas tais como retirada das goteiras, reposição de pisos, estragos nos muros, pinturas das paredes e dos quadros, consertos nos banheiros, e muitas outras pequenas coisinhas), conserto das carteiras estragadas e compra de novas, renovação de livros para biblioteca, material escolar para os alunos carentes (incluído uniforme), compra de mantimentos para a merenda (quando ainda não havia o programa de alimentação escolar), algumas das coisas das quais me lembro no momento. 

O dinheiro vinha dos governos estadual e municipal, quase pouco e sempre com destino certo, muitas vezes contrariando nossas necessidades. Outra fonte, eram as pequenas verbas repassadas pelos políticos, que também tinham destinação específica. Entretanto, o dinheiro certo, aquele que resolvia nossos problemas imediatos, era o que provinha da nossa “atividade arrecadadora”. 

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Os relatórios da Caixa Escolar, apresentados na reunião de início de ano, descreviam os ativos e passivos do ano anterior. Em seguida, as necessidades previstas para o ano em curso. Por fim, a constatação final: tínhamos despesas a serem efetuadas mas não havia dinheiro em caixa! Vinha então a pergunta, lançada pela direção da escola: _ O que vamos fazer para arrecadar dinheiro?

O fundo da Caixa Escolar era responsabilidade de todas nós, professoras! Não discutíamos essa decisão, nem questionávamos seu despropósito. Estávamos ali no dia a dia e, se nada fizéssemos, seríamos as mais afetadas pelas consequências da imobilidade! Assim, as festas escolares, descritas como eventos de celebração durante do curso Normal, no tempo da docência passaram a ser sinônimo de “dinheiro em caixa”! Junto às festas, as rifas e a venda de alimentos durante o recreio constituíram uma fonte de recursos!

A festa junina, provavelmente, foi o evento no qual mais investimos nossa “face empresarial”! Todos da escola estávamos envolvidos, professoras, alunos e alunas, serventes, diretora, pessoal da secretaria. Formávamos equipes que se incumbiam das diversas atividades, desde a organização do espaço (decoração, em especial), à preparação das quadrilhas e, o que mais interessava, planejamento das barraquinhas: de jogos e de alimentos. 

Os jogos (pescaria e alvo, principalmente) tinham seus prêmios coletados junto à comunidade (comércio, entidades sociais, pessoas físicas), um trabalho incansável do grupo responsável e dos professores que detinham “contatos privilegiados”. Os alimentos vendidos nas barraquinhas, cuja matéria prima seria igualmente fornecida pelos comerciantes, eram preparados pelas cantineiras da escola.

Ao lado das festas, as rifas também faziam parte da nossa “atividade financeira”. Às vezes, recebíamos doação de um objeto de maior valor (como um eletrodoméstico). Decidíamos fatiar sua venda em “bilhetes da sorte”, e assim, assegurarmos uma arrecadação maior pelo bem recebido. Outras vezes, nós mesmas comprávamos um objeto para transformá-lo em rifa. De todo modo, vender rifa, para mim, era um sofrimento!

A venda dos alimentos durante o recreio, representou fonte de renda pequena, mas constante. Assim, enquanto preparavam a merenda que seria distribuída gratuitamente aos alunos, as cantineiras faziam bolos, biscoitos, doces destinados aos alunos pagantes. Sempre me lembro do sucesso dos pirulitos feitos de calda queimada, no formato de uma chupeta de criança, preparados pela minha tia… 

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Três pontos chamam minha atenção quando rememoro esses fatos. Primeiro, o de que a falta de dinheiro na escola pública “irmanou” a escola de lata (de alunos muito pobres), e os grupos escolares de concreto (que não eram nenhum palácio, mas onde frequentavam as crianças da elite), nos quais trabalhei. Em segundo lugar, a naturalidade e a fatalidade com que nós, professoras, encarávamos esse quadro de precarização. Por fim, uma indagação construída em tempos mais recentes, ou, em outras palavras, distantes do tempo dessa minha experiência: – Como mudar esse “destino”? 

24 de fevereiro de 2021.


Imagem de destaque: Josh Appel / Unsplash

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