Jürgen Habermas: intelectual, professor

Jürgen Habermas: intelectual, professor

Alexandre Fernandez Vaz

Há poucas semanas, Jürgen Habermas concedeu uma entrevista ao prestigioso hebdomadário Die Zeit (O tempo), cuja motivação primeira foi o referendo que indicou a saída do Reino Unido da Comunidade Europeia. Aos setenta e oito anos e com tanta estrada nas costas, o filósofo e sociólogo se disse surpreso com o resultado, que jamais esperaria que os inventores do capitalismo sucumbissem ao populismo, decretando um resultado que tende a ser tão contraproducente do ponto de vista econômico. Deixar-se surpreender sem perder o fio analítico, ou exatamente para alcança-lo, eis um caminho.  

Na entrevista ao Die Zeit aparece o grande analista da Europa precariamente unida e da Alemanha unificada, pensando sobre os desafios do continente e do país frente a um mundo em constante transformação. A verve crítica em relação às grandes questões do seu tempo não é propriamente uma novidade para os leitores de Habermas, que nunca se esquivou de espinhosas questões que, principalmente a partir do final dos anos 1980, se colocaram. Entre tantas com as quais se ocupou, estão o fim do socialismo de caserna, os desafios da República Berlinense,a invasão norte-americana ao Iraque, o terrorismo, a guerra nos Balcãs e … a proibição do uso do véu sobre a cabeça de meninas islâmicas nas escolas francesas! 

De fato, como certa vez destacou o cineasta e escritor Alexander Kluge, Habermas sempre seguiu o percurso, de origem kantiana, de valorização da esfera pública, cuja formação nos começos da modernidade foi, aliás, tema de um de seus principais trabalhos. Tal movimento não se deu somente nos países vizinhos, mas também em outros continentes, tanto por sua presença em diferentes ocasiões, quanto pelas traduções de seus livros, artigos e entrevistas em múltiplos idiomas. 

No final da década de 1980 os brasileiros puderam presenciar um conjunto de conferências e entrevistas de Habermas, que esteve em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Amigos alemães que então viviam no Brasil ficaram impressionados com a enorme cobertura jornalística da visita. De fato, eram tempos de importantes suplementos culturais e os livros de Habermas já circulavam entre nós em bom número, mesmo que nem sempre em traduções aprimoradas, principalmente pelo esforço da Editora Tempo Brasileiro. Barbara Freitag e Sérgio Paulo Rouanet, entre outros intelectuais e professores, tiveram papel de destaque na divulgação da obra de Habermas no Brasil, malgrado uma interpretação que ambos canonizaram, segundo a qual ele teria “superado” os impasses aos quais a Filosofia de Theodor W. Adorno chegara. 

Naquela mesma década em que esteve no Brasil, Habermas voltara à Universidade de Frankfurt depois de vários anos dirigindo um dos institutos da Sociedade Max Planck, uma das notáveis instituições de pesquisa da Alemanha, em que estão alocados alguns dos detentores do Prêmio Nobel do país. O regresso, como chamou a atenção o mesmo Alexander Kluge antes citado, representou nada menos que a vontade da docência. 

Habermas já fora Professor em Frankfurt, assim como em outras instituições, depois de ter atuado como assistente de Adorno ainda nos anos 1950. Foi neste tempo que atuou como um dos principais articuladores de extensa pesquisa sobre a relação dos estudantes com a política, sob a herança do recente passado nacional-socialista. Na década seguinte, já Professor, esteve na linha de frente dos debates com o movimento estudantil engajado na oposição extraparlamentar na Alemanha, não se furtando aos debates em meio a manifestações e greves. Soube, como poucos, aliar docência e reflexão sobre a Universidade e sua reforma em um momento extremamente sensível da sociedade alemã. 

Nos anos 1960, Habermas ainda era facilmente associado, com razão, à tradição da Teoria Crítica da Sociedade, tal como foi desenvolvida por Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Leo Löwenthal, Herbert Marcuse, entre tantos. Quando de sua volta à Frankfurt, já é, no entanto, aquele que formulou uma Teoria do Agir Comunicativo, que não se configura como uma atualização, mas se trata mesmo de uma mudança de rota em relação à Teoria Crítica. Isso não o desmerece. Pode-se não estar de acordo com Habermas, mas é justo respeita-lo e não apenas repetir, de forma simplista, que ele seria o filósofo “do consenso” a justificar o fim das grandes utopias, como às vezes se escuta em círculos supostamente mais críticos. 

É curioso que o Brasil tenha o prefeito de sua principal cidade, Fernando Haddad, cuja trajetória acadêmica inclui uma tese de doutorado que é uma crítica a Habermas. E que tenha tido um presidente, Fernando Henrique Cardoso, que o sucedeu como Professor Visitante em Berkeley, no final dos anos 1960. FHC, pouco antes de tornar-se o mandatário do país, disse em entrevista ao jornal Folha de São Paulo que os alunos da Califórnia tinham dificuldades em entender a fala de Habermas por conta da pronúncia que, prejudicada pelo lábio leporino, não seria das melhores. Estudantes que frequentaram seus cursos em Frankfurt naqueles mesmos anos dizem outra coisa: que as aulas eram excelentes e que o único problema era que, com frequência, aconteciam em manhãs de sábado, o que, dadas as noitadas de sexta-feira, era um inconveniente. 

Intelectual brilhante e corajoso, sem deixar de ser um professor dos melhores. Este é o admirável Jürgen Habermas, “o Max Weber da República Federal da Alemanha”, com o nomeou Detlev Claussen. Sigamos aprendendo com ele. 

Frankfurt am Main, agosto de 2016.

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