A educação escolar é assunto tão quotidianamente discutido quanto controverso. Todos, ou quase todos, concordam quanto a sua importância e, sobretudo, quanto à necessidade da oferta de uma boa escola para todas as pessoas, da educação infantil à universidade. Mas, como já se disse aqui, esse consenso esconde, na verdade, grandes divergências sobre dimensões fundamentais a respeito da formação das novas gerações. Um desses dissensos refere-se justamente à noção de qualidade.
Não é novidade que a noção do que seja uma escola de qualidade varia muito. Numa mesma sociedade, a ideia do que seja uma educação escolar de qualidade é distintamente elaborada ao longo do tempo. Assim, o que era uma escola de qualidade no século XIX, ou meados do século XX, hoje são coisas muito distintas. No século XIX uma ótima escola elementar ensinava, quando muito, a ler, escrever, contar, as quatro operações e noções de religião e da constituição.
Já no início do século XX, ao mesmo tempo em que se dava a definitiva institucionalização da escola primária, elaborava-se outra noção de qualidade da escola que passava, sobretudo, pela organização dos grupos escolares e pelo alargamento do programa escolar, dentre outros aspectos tendo em vista a formação de trabalhadores eficientes e cidadãos atuantes, ainda que houvesse muitas disputas sobre os sentidos de tais assertivas.
Ainda em meados do século XX, podia-se considerar uma ótima escola aquela que excluía os mais pobres, que convivia com uma altíssima taxa de reprovação, sobretudo na primeira série, que fosse racista e sexista. Tal noção de qualidade, elaborada tendo em vista o sucesso escolar de alguns poucos, era amplamente aceita e, ainda hoje, embala sonhos nostálgicos acerca da “boa escola pública de antigamente” de uma parcela considerável da população, sobretudo aquela que teve acesso e sucesso escolar naquele tempo.
Hoje, ainda que mantenha a questão da cidadania de da formação para o mundo do trabalho como dimensões fundamentais da escola, a noção de qualidade inclui não apenas o acesso e a permanência, mas também o direito à aprendizagem, ao reconhecimento das diferenças culturais, de gênero, de raça e etnia, dentre outros aspetos fundamentais. O que traz, por exemplo, o desafio de como articular a noção de direitos universais com o direito ao reconhecimento das diferenças no âmbito das políticas e, sobretudo, das experiências escolares singulares.
Mas, se é claro que a noção de qualidade varia enormemente no tempo, seria possível – e justo – pensarmos que ela também varia, numa mesma época, em espaços variados? Ou, dizendo de outra forma, é justo e necessário pensarmos que deveria existir uma noção de qualidade da escola dependendo de sua localização, por exemplo, no território nacional? Ou, diferentemente, deveríamos ter uma noção de qualidade da escola que fosse possível ser estendida a todas as escolas do território nacional? Da resposta a essas questões, numa ou noutra direção, dependerá em boa parte, o desenho de novas políticas educacionais no país.