Islana de Oliveira Silva1
Planejar aulas, elaborar materiais didáticos, avaliar produções, investigar outras metodologias, construir relatórios, pesquisar novas fontes de informação e tantas outras ações, fazem parte da rotina de todo(a) professor(a) implicado(a) com a formação dos(as) educandos(as). Mas, em quais momentos ele(a) faz isso?
É recorrente encontrarmos no meio de educadores quem já teve/tem que desenvolver algumas das atividades supracitadas durante finais de semana ou feriados, como se esse tempo de descanso e lazer não fosse necessário ao seu bem-estar nem comportasse um direito do trabalhador. Essa é uma problemática vivenciada por muitos docentes, envolve a complexidade que permeia a prática educativa e os modos como as suas jornadas de trabalho são compostas.
Nesse cenário, vale lembrarmos da Lei Federal nº 11.738/2008, conhecida como lei do piso salarial, que instituiu na composição da jornada de trabalho dos professores da educação básica, no magistério público, o limite máximo de 2/3 da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os estudantes, assegurando, consequentemente, a destinação das demais horas à realização das outras ações pertinentes à docência.
Contudo, a secundarização dessa lei nas agendas políticas e a fragilidade na sua execução, em todas as suas disposições, são notórias e oriundas, muitas vezes, da dificuldade dos governos em proverem os valores financeiros decorrentes. Isso tem impulsionado uma dinâmica de reivindicações dos profissionais da educação nos vários estados e municípios brasileiros, a fim de que a sua efetividade seja garantida.
Em estudo publicado na Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, os pesquisadores Márcia Aparecida Jacomini, Juca Gil e Edimária Castro revelaram que, no ano de 2016, apenas sete capitais brasileiras cumpriam de forma integral o que foi definido legalmente.
A instauração desse direito representa um passo significativo, embora não suficiente, em direção a valorização profissional, uma vez que fomenta uma melhoria nas condições de trabalho. Não se trata de um “benefício” individual do professor, pois a sua atuação possui um vínculo estreito com a formação dos estudantes, com a qualidade da educação pública e com a consolidação de um projeto político pedagógico junto à comunidade.
O exercício da docência envolve múltiplas atividades que transcorrem e se efetivam em tempos que extrapolam o espaço da sala de aula. A ação do educador demanda reflexão, pesquisa, planejamento, formação, participação política, avaliação, integração com os pares e com a gestão democrática da escola. A falta de tempo dedicado para realização dessas ações afeta não apenas o bem-estar e o trabalho do professor, mas também os processos educacionais desenvolvidos no contexto escolar.
Assim, é importante que a discussão acerca da jornada de trabalho docente e a implementação da referida lei vá além dos aspectos administrativos e financeiros, trazendo-se à tona, também, a análise sobre a dimensão do tempo imbricada na docência, tendo em vista as suas conexões e ressonâncias no fazer socioeducativo da escola e na produção contínua dos modos de ser e atuar dos educadores.
1Coordenadora Pedagógica na rede municipal de educação de Salvador/BA. Doutoranda em Educação (FACED/UFBA). E-mail: islanaoliveira@gmail.com.
Para saber mais:
BRASIL. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Brasília, DF: Presidência da República, 2008. Acesse aqui.
JACOMINI, M. A.; GIL, J.; CASTRO, E. C. de. Jornada de trabalho docente e o cumprimento da Lei do Piso nas capitais. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Goiânia, v. 34, n. 2, p. 437-459, maio/ago. 2018. Acesse aqui.
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