Devemos acreditar que a reciclagem é a solução para o Meio Ambiente? 

Ana Heloisa Silva e Pires 

A semana do Meio Ambiente se aproxima e, anteriormente a ela, podemos ter conhecimento do dia mundial da reciclagem, que ocorreu no dia 17 de maio de 2024. O dia do Meio Ambiente, ou semana do Meio Ambiente, é uma data que sensibiliza toda a sociedade para as questões ambientais e socioambientais. Diante disso, iremos realizar uma reflexão a respeito de como a reciclagem é muito associada como solução ou alternativa para a proteção do Meio Ambiente. 

A reciclagem é um processo de reaproveitamento de materiais descartados. O objetivo principal é fazer a reintrodução desses materiais na cadeia produtiva, gerando valor e principalmente incentivando a ideia de reaproveitamento e negação ao descarte. Essa ideia é o discurso mais utilizado pelas grandes empresas e pelos educadores com o intuito de sensibilizar a sociedade para o incentivo à reciclagem. 

Diante das minhas experiências no ambiente escolar e no mundo corporativo empresarial, pude presenciar diversas ações, atividades e sensibilizações que possuem o intuito de comover a sociedade e os sujeitos a praticarem a  reciclagem. Muitos desses discursos afirmam que o principal desafio para que a reciclagem seja feita é a falta de conhecimento por parte da população de como se dá propriamente a reciclagem. Entretanto, por mais que essa afirmação possa ser comprovada, esse não é um dos principais fatores que influenciam na defasagem de reciclagem. 

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, apenas 4% de todo o lixo do Brasil é reciclado. Agora, pergunto a você leitor, será que o restante do lixo do Brasil não é reciclado porque os Brasileiros não sabem fazer a reciclagem? Eu posso afirmar que a resposta para essa pergunta é não. Mas então, porque a reciclagem ainda não é uma alternativa efetiva para a questão do lixo no Brasil? E porque as escolas e as empresas colocam a reciclagem como solução para o Meio Ambiente?

A partir dessas perguntas, vou tentar levantar problematizações que podem nos auxiliar a responder ou esclarecer essas questões. Com base no texto de Layrargues (2002;), Costa, A. S. G.; VALVERDE, L. H. O. .; CAMPELO JUNIOR, M. V (2024)  e nas minhas experiências de vida, consigo ponderar que a ideia de reciclagem hoje executada se resume à Coleta Seletiva de Lixo e é pautada na separação correta do lixo e na culpabilização individual. 

As ações e a ideia de reciclagem predominante na nossa sociedade hoje vai em detrimento de uma reflexão crítica sobre os nossos valores culturais. Esses valores ideológicos presentes na nossa sociedade são ideias de consumo, consumismo, industrialismo que reproduzem a lógica de produção capitalista e de aspectos políticos e econômicos que refletem na nossa relação com o lixo. 

Assim, é muito mais cômodo a reprodução da ideia da separação do lixo e coleta seletiva do que a reflexão efetiva sobre a produção do lixo. Vemos que se tem pouco esforço em analisar, pensar e refletir sobre o significado ideológico da reciclagem. A reprodução desse discurso muito bem identificado como uma Educação Ambiental pragmática ou conservadora e o marketing verde se preocupa em divulgar uma mudança comportamental sobre a técnica de disposição do lixo. Desse modo, esse discurso  não propõe uma mudança  efetiva nos valores que sustentam esse estilo de produção. 

O que quero dizer é que a ideia de propagar a reciclagem como alternativa para a questão do lixo não é o suficiente para uma mudança efetiva do nosso problema com os resíduos. A predominância excessiva desse discurso que propaga que as pessoas devem fazer sua parte, devem separar o lixo corretamente, devem mudar o seu comportamento para que a mudança seja efetiva no Meio Ambiente é, na verdade, uma névoa de fumaça que esconde as verdadeiras reflexões que devem ser feitas. Não estou falando aqui que essas atitudes não são importantes, longe disso, estou dizendo que elas não são suficientes. 

Devemos ir muito além desses discursos. Devemos romper e problematizar a ideologia dominante que dissocia os aspectos políticos da ação humana. As empresas e os educadores não devem culpabilizar os indivíduos pela questão do lixo, mas eles devem pensar e expor  alternativas para o seu tratamento. Essas alternativas devem levar em conta ações governamentais e mecanismos de mercado. Não podemos deixar de falar que a questão do lixo hoje vivida por todos nós está muito ligada à falta de políticas públicas que fazem com que essa problemática seja emergencial. 

As iniciativas isoladas para lidar com a questão do lixo hoje se fixam na criação de cooperativas de catadores de lixo e de uma coleta de lixo que não é realidade para a maior parte dos brasileiros. As cooperativas ainda não alcançaram uma articulação ampla que fortaleça essa política. A coleta seletiva tão almejada pelos discursos está presente nas zonas nobres das cidades. Para agravar ainda mais, vemos que a coleta seletiva realizada transfere os resíduos separados e coletados para uma só destinação, ou esses resíduos voltam para  as empresas de origem, fazendo com que o valor do descarte retorne para a empresa, não favorecendo a geração de renda dos catadores. 

A coleta seletiva e a  reciclagem são vistas como alternativas tecnológicas para o tratamento do lixo. Mas essas ideias são problemas de ordem política e ideológica, que não fazem com que a lógica de lucro seja repensada. Dessa forma, entendemos que deve-se sim educar a sociedade para a separação do lixo e para repensar os comportamentos individuais. No entanto, deve-se avançar nesse raciocínio e questionar o discurso de quem está ensinando. A prática de Educação Ambiental não pode ser alvo da manipulação e concordância ideológica. 

Por fim, a verdadeira solução para o Meio Ambiente não é uma resposta pronta. Entendemos aqui que os educadores e as campanhas empresariais para o cuidado com o Meio Ambiente devem incentivar o sujeito a ser consciente e responsável com o que ele consome e com o que ele faz a respeito do seu lixo. Além disso, o mesmo pode engajar programas de reciclagem, cobrar do poder público ações que incentivem coletivos de catadores, cobrar políticas que coloquem em questão a problemática do lixo e, principalmente, eleger representantes políticos que possam contradizer as ideias que vão em favor da ideologia dominante. 

Referências

LAYARGUES, Philippe. O cinismo da reciclagem: o significado ideológico da reciclagem da lata de alumínio e suas implicações para a educação ambiental. LOUREIRO, F.; LAYARGUES, P.; CASTRO, R. (Orgs.) Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2002, 179-220. O CINISMO DA RECICLAGEM: o significado ideológico da reciclagem da lata de alumínio e suas implicações para a educação ambiental 

COSTA, A. S. G.; VALVERDE, L. H. O. .; CAMPELO JUNIOR, M. V. O DISCURSO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO NEOLIBERALISMO: o campo social, as políticas públicas e reorientações possíveis. Revista Espaço do Currículo, [S. l.], v. 16, n. 1, p. 1–17, 2023. DOI: 10.15687/rec.v16i1.66124. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rec/article/view/66124. Acesso em: 31 maio. 2024.

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