Cinco anos da Lei Menino Bernardo: é possível educar sem violência?

Luiz Carlos Castello Branco Rena

“Eduquem as crianças, para que não seja necessário punir os adultos. ” Pitágoras

No último 26 de junho (Dia Nacional pela Educação sem Violência) completou-se cinco anos da alteração da Lei 8.069 (ECA), acrescentando-se o Art 18-A que afirma:

“A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.” (ECA, 2014)

Essa norma legal que leva o nome do menino Bernardo, mas ficou popularmente conhecida como Lei da Palmada, faz referência ao caso de Bernardo Boldrini, morto aos 11 anos de idade na cidade de Frederico Westphalen, RS. O pai e a madrasta de Bernardo, e outras duas pessoas foram condenados e cumprem pena por homicídio. Pretendia-se com isso reforçar o controle da justiça sobre os casos de violências contra crianças e adolescentes e promover a prevenção de maus-tratos e negligência. Os objetivos da lei colocam o Brasil mais próximo do cumprimento da DUDH que em seu Artigo V estabelece que: “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, bem como da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989):Os Estados-partes tomarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus–tratos ou exploração…”( Art19,§1)

A proposição da Lei Menino Bernardo mobilizou, naquele momento, intenso debate na sociedade brasileira sobre diversos aspectos da prática do castigo físico, trazendo à luz argumentos contrários e favoráveis à prática quando aplicada pelos pais ou familiares. Houve também quem defendesse a aplicação do castigo físico como direito de educadores e outros profissionais que atuam no atendimento a esse seguimento da população. Para alguns parlamentares, juristas e outros profissionais a Lei Menino Bernardo é uma ingerência indevida do Estado na vida familiar que fragiliza a autoridade de pais e mães. Os defensores da lei se apoiam nos tratados internacionais já mencionados acima e nos índices alarmantes de casos de negligência, abuso, maus-tratos, agressões, violações e até mortes de crianças e adolescentes no interior da família e outras organizações, que deveriam cumprir o papel de defender, proteger e preservar a vida dessas pessoas em fase de desenvolvimento.

Cinco anos depois da promulgação da lei já se percebe um movimento de grupos no parlamento e fora dele de apoio à sua revogação, que foi uma das promessas de campanha do atual presidente. Parcela significativa da sociedade brasileira compartilha da ideia de que castigar fisicamente alguém, e sobretudo crianças e adolescentes, é garantia de formação do caráter e protege a sociedade da proliferação de marginais que comprometem a segurança pública. Entre nós há aqueles e aquelas que não só compartilham da ideia como mantêm a prática dos castigos físicos adotando técnicas de agressão que evitem marcas pelo corpo, impedindo que se produzam as provas do crime. O debate sobre a tese de que “quem bate educa”, que nunca deixou de existir, voltará a ocupar com mais frequência e intensidade as manchetes dos jornais, sendo assunto das rodas de conversa nas mesas de almoço, nos bares, nas salas de aula e nas salas de professores da educação básica

As reações radicalizadas à norma legal que inibe e deslegitima a mão pesada do mundo adulto sobre crianças e adolescentes, quase sempre em situação de fragilidade e vulnerabilidade, revela que a prática do castigo físico, às vezes cruel, está introjetada na cultura como dispositivo disciplinar legítimo e eficaz. Por isso devemos reconhecer que uma lei não tem força suficiente de produzir mudanças profundas na dinâmica da cultura atravessada pela prática da violência como algo natural. Os desafios se avolumam quando se trata de uma cultura machista, organizada em torno da autoridade masculina que se impõe pela violência de gênero. Esse componente do etos da masculinidade tóxica e predatória extrapola o cenário doméstico, alcançando outras esferas de convivência e sobretudo a escola e todos os níveis do sistema educacional.

Ao impor limites na ação disciplinar, estabelecendo critérios para discernir o ato de correção educacional que comunica limites do ato de castigo meramente punitivo que humilha, a Lei Menino Bernardo chegou à escolas e às comunidades de seu entorno, potencializando debates e aprofundando conflitos sobre a natureza da educação oferecida na escola e aquela outra educação oferecida na família; bem como a interface entre ambas. Pais e educadores compartilham da mesma tarefa e responsabilidade que é de dotar a criança e o adolescente dos recursos necessários a uma vida social que inclua os outros, ou seja, viver junto com os outros e com os outros construir um mundo melhor para todos e todas. Isso significa se empenhar na produção de subjetividades abertas ao diálogo e à negociação desde a mais tenra idade, oferecendo um ambiente em que castigo físico e tratamento cruel não sejam necessários. Essa construção coletiva exige uma revalorização da palavra como ferramenta de pensar o mundo e as relações, de intervir e ser parte daquilo que nos acontece: a realidade. A palavra como instrumento valioso de inclusão e inscrição na cultura. Onde a palavra desaparece a violência se impõe para assegurar a dominação do mais forte. A palavra silenciada é condição para a medida de força, o castigo cruel, produzindo feridas na alma de difícil cicatrização.

A possível revogação da lei nos colocará novamente diante da pergunta incômoda: É possível educar sem castigar? É possível educar sem ser violento? E novamente a Convenção sobre Direitos da Criança nos adverte: a criança deve ser educada com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade.

Para saber mais:

Não Bata. Eduque!

Convenção sobre os Direitos da Criança


Imagem de destaque: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

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