Brincando de esticar a corda

Dalvit Greiner

Nossos generais parece que não sabem – ou se fingem de mortos – que política é uma guerra e que, já nos dizia o barão de Clausewitz, “a guerra é uma continuação da política por outros meios”. Podemos traduzir também assim: a guerra é uma outra forma de fazer política. Quando a gente era pequeno brincava de cabo-de-guerra. Uma brincadeira gostosa que não machucava ninguém e inflava nossos egos. Um ego coletivo: nós somos fortes, mas ninguém partia para a briga. Ou seja, tinha regras e elas eram respeitadas.

A política é uma outra forma de fazer a guerra. São muitos os interesses envolvidos, alguns legítimos, outros não. Mas, a regra democrática permite que todos os interesses sejam postos no jogo, exceto aqueles que acabam com as regras do jogo: numa Democracia ninguém é dono da bola. Esse é um princípio basilar da Democracia: nenhuma ação pode acabar com a possibilidade de agir. A Democracia não legisla contra si mesma, assim como a Oligarquia ou a Monarquia legislam contra si mesmas. Muitos ou poucos no governo do Estado ninguém carrega tamanha estupidez de suicidar-se politicamente.

Quando afirmamos que é uma guerra de interesses afirmamos uma visão liberal de que os grupos de interesses vão ao mercado político com as armas que têm. Uma espécie de “no amor e na guerra vale tudo”! Porém, para igualar os competidores, a regra democrática prevê um duelo de armas do mesmo nível, ou seja, não vale tudo: não cabe o futuro da promessa; não cabe a corrupção da riqueza; não cabe a sedução do carisma; não cabe o medo da violência.

A única possibilidade em que a Democracia aposta para a defesa dos interesses dos grupos em disputa é o convencimento pela argumentação racional. Dessa forma, quando qualquer outra forma de obtenção do poder político se sobrepõe à argumentação, acabou a Democracia. Assim, infelizmente, quando acaba a Democracia é porque a guerra política continua como guerra física.

Apesar de ser um povo guerreiro, os romanos sabiam da desgraça que é o poder das armas, da violência. O rio Rubicão – que servia de limite geográfico e código político – era proibido de ser cruzado por todo e qualquer general em armas, tirando a tranquilidade que o Senado Romano necessitava para deliberar. É bem verdade que a República romana não era o que pensamos hoje sobre ser parte de uma república, mas continua valendo o princípio. Livre deliberação e violência são totalmente antagônicas e onde uma está presente a outra desaparece. Ou pelo menos deveria desaparecer.

Por essas e outras não consigo entender por que o Exército Brasileiro não se posiciona estrategicamente no território, porém longe da política. Deviam estar nas fronteiras, na Amazônia, nos vazios demográficos protegendo os brasileiros, os indígenas e quilombolas e o território brasileiro. Ou seja, deveriam estar longe de Brasília: física e politicamente. O contrato dos militares com o Estado não é o mesmo contrato do cidadão. Pessoas armadas, sejam elas quem forem, militares, policiais ou bandidos, não são cidadãos. Cidadãos não usam armas que não sejam a lógica e o raciocínio. Na política, a arma chama-se voto.

Os senhores generais cruzaram o Rubicão da política brasileira com suas armas. E, o que é pior, estão se entregando como reféns de um comandante miliciano que irá descartá-los tão logo atinja o seu objetivo. O discurso de armar a população significa desautorizar aqueles que, constitucionalmente, são autorizados para proteger a população. No ritmo em que estamos, em pouco tempo o país será feudalizado por milícias, submetendo seus cidadãos pela violência, pelo dinheiro, pela promessa, pelo carisma do Mito! Nada de Democracia.

Portanto, quando os senhores generais falam em esticar a corda, saibam que o que estamos fazendo é política. E política honesta e ordeira dentro das regras previstas pela Democracia. Dentro das regras previstas pela Democracia estaremos, todos os dias, esticando nossa corda nesse cabo-de-guerra, com força e alegria, determinação e desejo. Tentaremos trazer o máximo de cidadãos e cidadãs para o nosso lado para esticarmos cada vez mais essa corda. Assim, democraticamente, derrubaremos todos aqueles que pretendem usar de armas não previstas nem autorizadas pela Democracia para nos aniquilar.


Imagem de destaque: rawpixel – freepik

 

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