Bordado em Memórias

Mário Cléber Martins Lanna Júnior*

Em que ponto se cruzaram, nas décadas de 1940 a 1960, as histórias do bordado, da mulher, da educação e de Belo Horizonte? A exposição Bordado em Memórias revela alguns registros e luzes sobre esses pontos, ao apresentar memórias de mulheres moradoras da capital mineira, sobre suas identidades femininas no lar, na escola e na cidade. O pano de fundo, é a modernização no Brasil (industrialização e urbanização), em especial na cidade de Belo Horizonte, que passava por significativas mudanças sociais e urbanas. Em 1941, o governador Benedito Valadares criou a Cidade Industrial de Contagem, em 1942, Juscelino Kubitschek iniciou a construção do conjunto habitacional do IAPI, no bairro Lagoinha, e em 1943, concluiu as obras de urbanização da Pampulha. Na modernização de Belo Horizonte, alguns espaços foram cortados, como a Feira Permanente de Amostras, demolida em 1965 para a construção do Terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro, e posteriormente, a Praça Vaz de Melo, que desapareceu na década de 1970, para dar lugar ao Complexo Viário da Lagoinha e facilitar a circulação dos trabalhadores. Era a linha da modernidade, que precisava seguir seu caminho e transformava a malha urbana, em direção ao desenvolvimento industrial. Apesar de cortados, esses lugares permaneceram vivos nas memórias, histórias, fotografias, revistas e pesquisas científicas. Algo semelhante aconteceu com o bordado.

A modernização significava mudanças profundas na sociedade, na forma de trabalhar e de viver, tendo transformado as cidades e as pessoas, com destaque para as mulheres no meio urbano, que assumiram maior protagonismo político e social. Dois caminhos se apresentaram para o ser feminino. O caminho do bordado, no qual, os espaços de liberdade e ação foram identificados no que se refere à execução dos trabalhos manuais, sobretudo de agulha, como a costura, a tapeçaria, o bordado, a renda, o crochê e o tricô. (MALUF & MOTT, 1998, p. 418). No segundo caminho, o do feminismo, as mulheres voltaram-se para a atuação política e militaram por questões relativas à saúde, ao direito, ao trabalho e ao poder entre os sexos, sendo que esse grupo foi marcado pelo ativismo e procurou influenciar as políticas públicas (PIRES, 2007, p. 460). No caminho do feminismo, o bordado é visto como símbolo de submissão, da mulher recatada do lar, por isso deveria ser banido das práticas femininas. Assim, a militância do feminismo e o crescimento industrial proporcionaram o relativo abandono dos trabalhos com a agulha, na medida em que a roupa poderia ser comprada pronta e a mulher, que almejava posições de poder, preferia dedicar-se às profissões fora do espaço doméstico.

A exposição Bordado em Memórias privilegiou o caminho do bordado, ao resgatar as memórias das mulheres bordadeiras de Belo Horizonte, em diferentes espaços de sociabilidade, na família, na escola e na sociedade, seja entre pessoas ricas ou pobres, trabalhadoras ou recatadas mulheres do lar. Ela reproduz uma breve, mas representativa parte do trabalho de pesquisa da jovem pesquisadora e educadora Isabella Brandão Lara, sob a orientação da professora Ana Maria de Oliveira Galvão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua pesquisa buscou fontes e informações nos lugares por onde o bordado passou: na escola, na cidade, no comércio, na legislação, nos jornais, nas empresas, nas revistas e nas memórias orais das bordadeiras. Ela nos convida a seguir seus passos de historiadora, e interpretar suas fontes com a compreensão dos processos sutis, por meio dos quais, todos nós percebemos e recordamos o mundo a nossa volta e nosso papel dentro dele. (THOMPSON, 1992, p. 195).

A exposição sugere o bordado como forma de protagonismo político, social e econômico da mulher em Belo Horizonte. Aos visitantes serão apresentados temas complexos das ciências humanas, tratados de forma lúdica e crítica, como: gênero, identidade e educação, assuntos polêmicos do passado e do presente sobre o espaço do feminino na sociedade. Nessa exposição, o lugar da mulher é estabelecido historicamente, por movimentos de resistências e acomodações, vivenciados na escola, na rua, no trabalho e em casa. Entre os pontos do bordado, o ser feminino encontra seu espaço e trama sua história, rica em cores, texturas, laços de cumplicidade e de solidariedade. Na narrativa da exposição, o ato de bordar deixa de ser solitário, torna-se o fazer em grupo, formador de relações sociais, de identidades culturais e memórias coletivas.


REFERÊNCIAS

FUNDAÇÃO João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Culturais. Belo Horizonte & o comércio: 100 anos de história. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1997.

JULIÃO, Letícia. Itinerários da cidade moderna (1891-1920). In: DUTRAS, Eliana R. Freitas (org.). BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996.

LARA, Isabella Brandão. O ensino do bordado na trama da cidade: um estudo sobre gênero, identidade educação feminina em Belo Horizonte entre as décadas de 1940 e 1960. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, 2019.

MALUF, Marina & MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAES, Fernando A. & SEVCENKO, Nicolau (orgs.). História da vida privada no Brasil. Vol. III. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

MUNAIER, Felipe Carneiro. As transformações da cidade de Belo Horizonte e a perda dos lugares: a Feira Permanente de Amostras (1936 – 1964).

Tese (Patrimônio cultural e Memória). Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais, 2014.

PIRES, Conceição. Humor, lutas sociais e direitos femininos nos anos 1970. In: ABREU, Martha & SOIHET, Rachel & GONTIJO, Rebeca (orgs.).

Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992

*Prof. de História da PUC Minas

Imagem de destaque: Divulgação/Educativo MMGV

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