Asas de borboleta 

Ivane Laurete Perotti

A tarde entrava na escola lambendo paredes. Calor escalonado em ondas. Suores. Apertos. Ajustes. Rostos debruados em narrativas afônicas. Dissipadas à mão. Açoites da sobrevivência vazia cegando propósitos. Cúmulos etílicos na base do pensamento. Ausente. Presente. Ausente. 

No vaivém de objetivos e fardos, tanto a tarde quanto a escola  imbricavam expectativas. Uma, movida pela sequência óbvia. A outra, pelo desejo de fazer vingar o sujeito social.

Sementes do alheio. Projetos de vida. Formação humana. Diversidades. Ah! Por quais éteres substancia-se o seu pedagógico espírito, Carlos Góes? A educação crítica solta chispas. Pulverizam-se valores. Investe-se no desmantelamento da instituição escolar. E, a tarde não faz respostas. Só demandas. Apelos. Eventos. Episódios de uma tratativa que deveria envolver a todos: escola não é clínica! Escola não é depósito. Escola não é detenção. É sementeira da vida social. Do desenvolvimento subjetivo. Da cidadania. Do aporte intelectual: conhecimento e cultura. Vida em diversidade/S/. 

Uma 88 atravessou o calor dantesco. Miragem, pensei. Típicas da Mata Atlântica, especialmente da Costa do Brasil e do cerrado,  são raras e em quase extinção. Pouco avistadas em centros urbanos. Excesso de luz afugentam-nas. Aproximei-me. 88 bailava em cadência própria. Desinibida. Ágil. Pareceu-me alheia ao calor nodoso. Asas em camadas de quitina deixavam ver as cores que a nominavam. Esplêndida! Juntamo-nos. Vários. Professores, alunos, funcionários, observando a borboleta em seu espetáculo. Quase mítica, dançava. Livre. À altura de nossa admiração.

Distanciei-me, por segundos, atenta à cena. Asas tão finas. Tão leves. Aparentemente frágeis. Mas dotadas de um complexo sistema de veias que lhes mantêm a forma e a sustentação. Veias que funcionam como canais, transportando fluidos corporais. Impliquei uma comparação: a tarde e a escola. A escola naquela tarde. Em tantas outras. Outros. Períodos e tempos. Históricos. Narrados. Perdidos. Apagados. 

A escola se estrutura em veias. Complexas. Vivas. Nutridas, se não a fragilizarem em túneis de burocracia insípida. Ou projetos de maquiagem política. Caricatura de países que não elevam a educação ao topo dos interesses. Antes, fraudam-na. Desacreditam-na. Depauperam-na em nome de objetivos escusos. Mercadológicos. Capitalistas. A escola, no Brasil, não é justa. Equidade exige vontade política. Decisão. 

A que escola que desejamos dá asas. Abre-as. Propõe planos de voo. Alimenta outras veias. Libera canais. Expande rotas de instalação de sujeitos sociais. Identidades. Cuida. Forma. Prepara. Vislumbra a cidadania. As ciências. As humanidades. Contempla as diversidades. E para acontecer, exige planejamento. Investimento. Lugar de direito. Voz. Vez.

Longe das comparações, a 88 recruta admiradores. Coopta olheiros. Olhadas. Levanta perguntas. Questões de fato: papel da instituição escolar. Viera em tempo de sublinhar pesquisas. Reflexões. Interesses de aprendizado. Aprendizagens.

A tarde voou. 

A escola… no futuro do presente do modo Indicativo. Decisivo. Necessário.

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