Acabemos com a escola – tentativa 2

Dalvit Greiner de Paula

Apesar de serem os primeiros a desejar uma escola pública, das possibilidades de difusão de suas ideias, os liberais são hoje um dos defensores do fim da escola pública. São daqueles que acreditam que o mercado faz melhor que o Estado, esquecendo-se que ao mercado não interessa dedicar-se a algo que não dê lucro. Educação, no mercado, para um público mais amplo possível, é impossível. Nessa mesma linha de desacreditar no Estado estão os positivistas, que mesmo isolados historicamente lá na República Velha, acreditavam que quem devia educar os filhos era a mãe. Seria ela a grande responsável pela moral e bons costumes da sociedade, momento em que se desvaloriza e feminiliza a categoria das professoras e dos professores públicos. E, por fim, as Igrejas, que de uma forma geral confundem a Educação com a instrução do espírito e, portanto, se o Estado é laico não deveria se imiscuir em algo tão privado quanto a crença.

Para os liberais, a primeira defesa é a da liberdade para ensinar e aprender. Então essa é a primeira e única obrigação do Estado: garantir tal liberdade. Porém, como esse processo tem um custo tornou-se um erro histórico obrigar o Estado a financiar a Educação. Na medida em que o Estado deve ser mínimo, não faz sentido – na visão de um liberal – a sociedade arcar coletivamente com algo de âmbito tão privado como são a educação e o ensino. Cada um deveria procurar livremente o modelo e a forma de educar-se, a si e a seus filhos, onde bem entendesse ao custo que melhor lhe aprouvesse no mercado. Uma boa escola tem custo altíssimo tornando-se inacessível a um público que não seja a elite econômica da região em que se situa. Nesse sentido, qualquer projeto educacional liberal prescinde da escola pública, pois o simples acesso a qualquer escola já seria critério de mérito e seletividade, vistos como algo natural e inerente à humanidade. Essa suposta liberdade liberal vem acompanhada dovoucher estudantil visto e entendido como forma do Estado tornar-se muito eficiente na garantia desse direito. Melhor ainda é o home schooling que pretende ir mais além, retirando os filhos e filhas da elite do convívio social como forma não apenas de educa-los, mas de preserva-los em seus corpos e suas ideias.

O ideal positivista de uma educação não passa pela construção de um projeto de escola pública geral, à exceção do período instrucional e profissional quando as pessoas procurariam o ensino de seu interesse. Ou, como nos disse o professor Luis Antônio Cunha, o positivismo defendia “o ensino livre de qualquer privilégio (qualquer um poderia ensinar qualquer coisa a quem quisesse)” desobrigando o Estado de uma instrução pública. Isso sempre abriu brechas para que qualquer um resolvesse ensinar desqualificando assim a escola como o locus privilegiado do aprendizado e do registro desse aprendizado. Recentemente, na reforma do ensino médio, surgiu esse fantasma do “notório saber” de quem não teve aferido o seu conhecimento pela academia. Problemas nisso? Nenhum, pois há muito conhecimento fora da academia. Porém, abre brechas para qualquer um pleitear o lugar da professora, do professor a qualquer preço e por qualquer preço. Mais desvalorização e, por fim, desqualificação desse servidor público.

As igrejas, sejam elas de quaisquer denominações, nunca se preocuparam, verdadeiramente, com a escola pública. O argumento é o mesmo argumento tomado ao Liberalismo de liberdade de pensamento e culto, portanto, os pais devem ensinar aos filhos aquilo em que acreditam. Mas, como ficaria a técnica da leitura e da escrita? Seria entregue aos seus sacerdotes e obreiros que, junto com a técnica transmitiriam a crença e os costumes. Isso, porém, é um limite ao espaço público, na medida em que a criança não conviveria com uma diversidade de opiniões e, na sua “bolha” buscaria a perfeição que não passa pela cidadania neste mundo. Na maioria dos casos, tornam-se autoritários e moralistas, com um ponto de vista único do humano e da sociedade.

Por tudo isso, a escola pública é aquela que“acolhe e não escolhe”. Nela deve caber todos e todas para aprender os valores republicanos – ou seja, aqueles valores da convivência pública tanto com as coisas inanimadas quanto com os seres irracionais e racionais. Que valorize o planeta e o mundo. Valores como solidariedade, igualdade e justiça, liberdade e democracia. Uma moral social e pública que promova a pluralidade e a diversidade humanas, como nos diria Hannah Arendt.


Imagem de destaque: Suami Dias/ GOVBA

 

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