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A Maria do Carmo sem dúvida foi a melhor professora que já tive. E olha que são muitos anos estudando. Mas nenhuma outra figura causou efeito parecido em minha vida como ela, minha professora da 3ª série, no final dos anos 90.
Difícil registrar tudo o que ela era capaz de ser só naquele pequeno espaço dentro da escola. Maria do Carmo transbordava as possibilidades. Até hoje me lembro de meus olhos assustados, ouvindo-a falar sobre porque deveríamos valorizar os esforços de nossas famílias para pagar aquela pequena escola privada na zona Leste de Belo Horizonte, e assim explicava para aquelas crianças de 9 anos sobre o projeto político de destruiçãoda educação pública.
Mas não eram sermões. Maria do Carmo cantava (canta), contava histórias (conta), fazia teatro (faz). Me lembro como se fosse hoje da peça que encenamos naquele ano – O Menino Marrom, de Ziraldo. Nosso único colega negro aceitou seu convite para ser protagonista!
Lembro de como sempre a achei bonita. Sua pele preta, seus batons escuros, seu sorriso claro. Sim, tive o privilégio de ter a professora como ídola e, sendo fã, sabia até seu chocolate preferido. Como era linda sua voz quando, no pátio da escola, cantávamos canções de MPB, que ali fui aprendendo a gostar. Que orgulho eu sentia ao ver minha professora publicando livros infantis!
Mas ela não era uma figura isolada na escola. Dois anos antes, ali, tinha tido uma de minhas primeiras lições sobre racismo quando, após uma apresentação das crianças mais velhas, a coordenadora (acho que Iara Caldeira era seu nome) passou de turma em turma nos perguntando por que havíamos aplaudido ostensivamente a menina loira de olhos azuis, sem fazer o mesmo para as outras crianças.
Tudo isso me acompanha. Hoje sei que o nome é branquitude. Hoje sei que esses pequenos fragmentos começaram a me ensinar e a abrir caminhos para outros aprendizados cotidianos urgentes.
E Maria do Carmo me acompanha. Ela está em minha escolha de ser professora, em minhas escolhas políticas, no gosto pela música brasileira, pelo teatro, pela literatura. O encontro com ela me fez mais pessoa.
A Maria do Carmo é a Madu Costa, que ainda hoje tenho o prazer de encontrar em eventos artísticos. Viva essa mulher preta guerreira, educadora, escritora, contadora de histórias, mãe, avó, inspiração!
*Socióloga e mestra em Educação pela UFMG e doutoranda em Saúde Coletiva pela Fiocruz Minas.
Imagem de destaque: Eye for Ebony / Unsplash