A primeira página

Cleide Maria Maciel de Melo

De Faria Filho a Luciano Mendes: a mudança na assinatura sinaliza o giro de cento e oitenta graus na produção escrita de uma única pessoa, sem o recurso ao pseudônimo. A primeira, subscreve a escrita acadêmica; a segunda, marca a entrada de Luciano Mendes de Faria Filho na literatura, com o livro A Primeira Página e outros contos mexicanos.

As histórias narradas em cada conto revelam imaginação fértil, profunda capacidade de observação e apreensão da condição humana, imensa sensibilidade na percepção de si e do outro, experiência, crítica político-social, forte sensualidade… A profusão de situações e detalhes do cotidiano das vidas urbana e rural mineiras nos leva a mergulhar num conto e dele retornar à superfície para, logo em seguida, encetar novo mergulho! Difícil interromper a leitura, só a contragosto!

São oito contos, sendo que um deles – A primeira página – mais se assemelha a uma mininovela. Por eles, caminhamos em espaços e tempos diversos como a Belo Horizonte dos anos finais do século vinte, o interior de Minas Gerais da pequena cidade e do meio rural, num tempo que pode ser o de hoje ou o de um século atrás. Caminhamos tambémpelo México atual, tanto o da grande metrópole quanto o do interior urbano. São espaços que ora podem ser encontrados nos mapas, ora se situam num lugar qualquer, mas que, para uns e outras podem parecer bem familiar.

Nas narrativas, realidade e ficção, História e Memória são embaralhadas pela imaginação criadora. Assim, no conto A herança maldita, os personagens Francisco (narrador) e Alejandra são envolvidos numa trama em torno da figura histórica da Corregedora, mexicana que participou do movimento de libertação do México. Do mesmo modo, nA primeira página, um conto de suspense policial, o personagem Miguel Pereira, jornalista do jornal O Universal (jornal mineiro que circulou entre 1825 a 1842), investiga atos de corrupção envolvendo o processo de privatização da usina hidrelétrica Arco da Velha e conta com a participação de um professor da UFMG. Isso, no tempo em que a Escola Plural era implantada nas instituições educacionais de Belo Horizonte. Tais recursos, são usados para tornar a narrativa verossímil e, com isso, capturar nossa atenção.

O autor lança mão, também, de outros recursos para nos manter aprisionados na leitura. A dimensão trágica do conto Na curva do rio, os pensamentos do atormentado irmão da suicida Florinda, os diálogos que estabelece consigo mesmo, são de tirar o fôlego! Impossível não imaginar todas as cenas, quadro a quadro, sob a força da narrativa. A tragédia também marca a história dos irmãos Galdino, Francisco e José, matadores de aluguel, no conto Mau agouro. Em contrapartida, no conto Cada um luta com as armas que tem, os percalços de Das Dores e Manoel no enfrentamento da seca na cidade de Meia Volta, nos levam ao riso!

Alguns personagens revelam uma densidade psicológica profunda. É o caso do Raimundo, no conto A morte do pai. Toda a angústia e raiva desse personagem em relação à figura paterna – denominado sempre por pronomes escritos em maiúscula, tal como muitas pessoas se referem a Deus ou ao Diabo – são potencializados na busca do bezerro, filho da vaca Oncinha, numa noite de chuva torrencial.

Ambientados no México, os contos –Conhecer o país; comer o país!eUma viagem de metrô na cidade do México: um relato in-e-verídico – aliam, aparentemente, na mesma medida, o tempo de permanência do autor nesse país e os vôos da imaginação que essa experiência despertou (ou, o contrário…). Os personagens, visitantes, observam a cidade e descrevem em minúcias seus movimentos nos espaços distintos. Entretanto, as andanças têm diferentes desfechos. No primeiro conto, a exploração resulta/finaliza numa experiência psicodélica. No segundo, em mergulho nos pensamentos e sentimentosdos transeuntes para os quais a atenção é despertada, numa história sem fim…

As mulheres, a condição feminina, mereceram um lugar especial nas histórias. São mulheres fortes, sensuais, persuasivas, reflexivas, que se posicionam frente a diversas questões e desafios, e se materializaram nas vozes da Das Dores (Cada um luta com as armas que tem), da Jandira (A primeira página), da Alejandra (A herança maldita), na moça que se equilibra em pé no metrô enquanto lê Max Weber (Uma viagem de metrô na cidade do México…), dentre outras.

Por fim, a questão dos epílogos. Se Luciano Mendes não economiza no detalhamento de suas histórias, seos narradores que cria vão nos conduzindo pela mão, chamando nossa atenção para minúcias da trama, assegurando nossa fidelidade, no desfecho, rapidamente, desaparecem no horizonte! Como convém aos bons contos!

Divinópolis, 09 de julho de 2020

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