A Esperança e a Docência
No segundo semestre de 2014, em que estive lecionando na graduação, na disciplina de Estágio Supervisionado no Ensino Médio em Educação Física (UFES), e em um curso de Pós-graduação Lato Sensu em Coordenação Pedagógica (SEB/MEC), observei um fenômeno de descrença entre os profissionais em exercício na rede pública de ensino, no Estado do Espírito Santo, em comparação com os estudantes em formação para se tornarem professores. A atuação nesses dois cursos provocou-me a pensar sobre a relação entre “esperança e docência”, compreendendo os professores como sujeitos que, sob a ótica Freiriana, constroem, educam e libertam o homem do determinismo e que, no ato de educar, também se educam, pois estabelecem com o mundo uma relação dialógica.
Para Freire (1996), ensinar é uma forma de intervenção no mundo e, por meio da educação, é possível que ocorram mudanças em todos os campos da sociedade. Essas mudanças, em âmbito educacional, se dariam no sentido de valorização das crenças, ideologias e culturas dos diferentes sujeitos, em um processo de luta coletiva de libertação da ideologia do dominador. É nessa crença na possibilidade de mudança, de transformação, que se apoia grande parte das teorizações do autor, sustentada na ideia de que não pode haver uma docência pedagógica libertária em que não haja esperança no processo de humanização dos seres, tornando-os conscientes de suas próprias ações.
No livro “Pedagogia da esperança”, Freire demonstra convicção ao apontar a necessidade da esperança e do sonho para a existência humana e no sentido de torná-la melhor. Argumenta que uma das principais tarefas do professor é revelar as possibilidades para a esperança, pois toda mudança é possível. A esperança estimula uma percepção que busca eliminar as posturas fatalistas de uma realidade dotada de uma determinação imutável.
Compartilhando da ideia dessa necessidade de esperança na possibilidade de transformação, busco organizar os meus planos de ensino e de aula, além de estimular nos discentes esse sentimento: o da crença num futuro mais digno para todos, em que os processos de ensino propiciem a formação de sujeitos autônomos e livres. Esse processo está pautado na reflexão sobre a realidade e considera a experiência dos sujeitos, desenvolvendo-se por meio de uma relação dialógica.
Nas aulas ministradas para a graduação, em que trabalhei num sentido dialógico, diálogo estabelecido entre os sujeitos escolares e a Universidade a partir de uma abordagem reflexiva das práticas, o exercício de estimular a esperança entre os discentes foi bem recebido. As mensagens de otimismo e crença na transformação pareciam estimular os estagiários e fortalecê-los para a realização das aulas na escola. Contudo, nas aulas da pós-graduação, em que o trabalho se desenvolvia com professores, pedagogos, diretores em atuação, muitos deles em exercício há anos em escolas municipais e estaduais, o discurso Freiriano de esperança encontrou uma resistência quase impermeável.
Ao abordar o conteúdo “avaliação”, os professores, de uma turma de 70 cursistas, relataram a descrença na mudança, mostrando-se enrijecidos à possibilidade de sonhar, de acreditar em processos de ensino-aprendizagem mais justos e emancipatórios, pois entendiam que a estrutura de ensino está fadada a seguir a ordenação do sistema capitalista, em que predomina a formação para o mercado de trabalho. Assim, compreendiam que eles mesmos não conseguiriam se emancipar na busca por uma autonomia para ensinar e aprender. Confesso que, de início, senti-me desesperada por ouvir tantos relatos de insucessos. Os rostos daqueles professores apresentavam-me inúmeras lutas que, para eles, pareciam perdidas.
Em meio àqueles discursos, muitos deles marcados pela dor de ter se permitido desistir, uma pergunta não me abandonava: em que momento esses professores deixaram de acreditar? Quando aqueles graduandos cheios de esperança para os quais eu leciono na Universidade se tornariam aqueles professores céticos? O que significava para eles desistir e por que acreditavam ter desistido? Naquele encontro, o que me parecia mais íntegro de se fazer era permitir o desabafo dos colegas, histórias de luta e frustrações que se emendaram umas nas outras, num processo de partilha do sentimento de fracasso. Parecia haver um consenso de que o sistema de ensino vigente não permitia que buscassem o novo e eu sabia que não mudaria aquele pensar de um dia para o outro.
Convencida de que a esperança é um dos elementos fundamentais para a construção/reconstrução, concluí que o primeiro exercício a ser realizado, no encontro seguinte, seria questioná-los sobre a desesperança. A pergunta foi recebida como um choque de realidade e, de imediato, presenciei a inadmissão da descrença. Como estávamos trabalhando o conteúdo avaliação, solicitei que sugerissem novos modos de avaliar, para além das provas escritas e orais, a fim de que pudessem utilizar na escola e argumentaram que nada poderia ser feito de diferente, pois precisam preparar os alunos para as avaliações em larga escala (ENEM, vestibular, etc.). A partir dessa perspectiva e por meio de um diálogo crítico, passei a instigar, nos professores, um novo olhar sobre o exercício da docência. Começamos a pensar na possibilidade de renovação, não só do sistema de ensino e de seus métodos avaliativos, mas da sociedade como um todo e de sua estrutura.
Em meio a essas ações, venho estimulando os professores a valorizarem o que podem controlar (investir em sua formação, elaborar boas aulas, auxiliar os colegas, criar ações para melhorar o funcionamento da escola, etc.), visto o sentimento de culpa por não conseguirem se libertar dos paradigmas de ensino vigentes se refletir em alguns relatos. Nas histórias contadas pelos professores, como motivo para o ceticismo, encontrei fatores incontroláveis como salário, facilidades, a relação com os colegas, as vidas das famílias dos alunos, as decisões da equipe pedagógica e do MEC.
O conhecimento que emerge dessa relação dialógica estabelecida com os professores é um conhecimento crítico, porque vem sendo obtido a partir da reflexão e implica em um ato constante de conhecer a realidade e de se posicionar frente a ela, permitindo que se descubram como seres históricos atuantes e transformadores das conjunturas sociais.
Compreendo que a libertação do determinismo histórico e social, como bem apontou Freire, não se dá sem luta, sem embate. Entendo, ainda, que trabalhar numa perspectiva dialógica com uma turma de 70 professores, com o tempo limitado destinado às atividades da pós-graduação, pareça um projeto muito ambicioso de minha parte. Contudo, retomando os motivos pelos quais me tornei professora, venho buscando disseminar, entre os meus alunos, professores formados e professores em formação, a esperança no futuro como fruto das opções e decisões humanas, em que cada ser é capaz de realizar suas escolhas e exercer a sua autonomia. Ainda que o trabalho esteja no início, os primeiros avanços já se fazem sentir, destacadamente no diálogo que esses professores, pedagogos e diretores têm estabelecido com os alunos na escola, no sentido de ouvi-los e de elaborar novas propostas de ensino-aprendizagem, em um processo crítico e colaborativo.
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