A educação para os empobrecidos em tempos de pandemia

Shellen de Lima Matiazzi*

Renata Duarte Simões

Diante do sofrimento causado pela pandemia do COVID-19, que atingiu vários países e levou à morte, até o momento, mais de 400 mil pessoas em todo o mundo, cabe questionar sobre o futuro da escola e dos alunos empobrecidos, cujas famílias buscam manter o mínimo para a sobrevivência; cabe perguntar sobre o lugar da educação formal para aqueles que não sabem o que farão no dia seguinte para se alimentar e preservar a própria vida em meio ao caos.

As pesquisas sobre pobreza e desigualdade social apontam que a fome tem se revelado como a face mais degradante, mais perversa da pobreza, pois afeta diretamente a integridade física do sujeito, enfraquecendo-o, desnutrindo-o, retirando-lhe a energia e a capacidade de resistir, de lutar. Para além da fome, a crise pandêmica ameaça a vida dos que, destacadamente, dependem do sistema público de saúde, pois os leitos lotados começam a anunciar o colapso hospitalar em um futuro próximo. Além disso, o Brasil já vivenciava um contexto econômico complexo, a partir de decisões políticas que agravaram as desigualdades sociais e, com a pandemia, aprofundou-se a crise do desemprego, ameaçando o trabalhador assalariado, e os trabalhadores informais que se viram diante do dilema de precisar colocar a saúde em risco para garantir o sustento da família.

A forma como o governo federal vem conduzindo a situação mostra um posicionamento político-ideológico que visa mais à produtividade e à lógica do mercado, atendendo a grandes empresários, do que às necessidades da classe trabalhadora. A liberação do auxílio emergencial, inicialmente aprovada para pagamento em três parcelas de R$ 600,00, demorou a ocorrer, exigindo certa estrutura e conhecimento tecnológico dos requerentes, o que para muitos levou ao agravamento da situação. A vagarosidade do governo federal vai na contramão das necessidades do povo e reflete o despreparo e má vontade do poder público em garantir os direitos mais básicos à população brasileira.

Ao considerar a pandemia em contextos empobrecidos, é preciso salientar que essas são regiões densamente ocupadas e historicamente relegadas à inferioridade, à ausência de infraestrutura, expondo grupos populacionais mais vulneráveis ao contágio pela doença e, consequentemente, à mortalidade. Os fatores sociais, portanto, são determinantes para o agravamento da COVID-19 no Brasil, mostrando as condições reais às quais muitas famílias estão submetidas.

Essas mesmas famílias, duplamente ameaçadas – pela pandemia e pelas condições de pobreza, ainda se viram, com o fechamento das escolas da Educação Infantil ao Ensino Médio, diante do desafio de estar com as crianças e adolescentes em isolamento social, fechadas dentro de suas casas, muitas vezes, em espaços bastante reduzidos, cômodos pequenos, sem condições básicas de saneamento, sem alimentação, sem acesso à tecnologia. Não é novidade que muitas crianças brasileiras têm na escola a única oportunidade de alimentação diária.

Ainda que seja muito grave, o problema nutricional não é o único que preocupa os profissionais da educação, que se mobilizaram para recolher cestas básicas e auxiliar as famílias mais necessitadas em momento de tantas dificuldades econômicas. Muitos veem no negacionismo da história, na desqualificação da ciência, no despreparo dos governantes e nos recentes posicionamentos do presidente da República elementos para o agravamento da crise, que sem um planejamento adequado, levarão à permanência do fechamento das escolas por período mais extenso ou, em caso de reabertura, de contaminação em massa dos estudantes, entendendo que tais decisões políticas impactam diretamente na vida de milhares de crianças, adolescentes e jovens em condição de pobreza.

Os profissionais, assim como pesquisadores da área, temem que o fechamento temporário das escolas sirva como argumento e estratégia à proposta neoliberal de barateamento e privatização do Ensino, processos que visam a lógica capitalista e a adaptação dos sujeitos ao sistema competitivo do mercado. Nesse sentido, a Educação      à Distância parece fazer voz à perspectiva privatizante defendida pelos Ministérios da Economia e da Educação, nas figuras dos ministros Paulo Guedes e Abraham Weintraub, o que representaria a exclusão de muitos alunos empobrecidos do sistema de ensino público brasileiro. Tais propostas advindas do governo federal soam como uma afronta a pesquisas e conquistas legais do campo educacional.

Preocupa que a Educação à distância, que vem sendo utilizada pelas escolas particulares para dar continuidade ao ano letivo, amplie as desigualdades sociais históricas, visto que a falta de estrutura física/material, apoio didático e de acesso às tecnologias se apresentam como fatores limitadores de aprendizado, destacadamente, nas camadas empobrecidas, em que, por vezes, pais e mães, analfabetos ou com a escolaridade básica incompleta, não podem conferir o apoio necessário aos filhos, ou não têm tempo para fazê-lo, visto que dependem da escola para deixar as crianças enquanto cumprem a jornada de trabalho. No mais, a educação de qualidade, na perspectiva de enfrentamento da desigualdade, tem como premissa o convívio, as interações, as trocas de saberes e experiências, assim, não é compatível com a perspectiva produtivista, com a modalidade EAD ou com atividades remotas descontextualizadas e pouco significativas para os alunos.

Frequentemente, essas famílias empobrecidas veem na escola, com o recurso físico, humano e conceitual que possui, a única saída para uma mudança social, para o rompimento do ciclo geracional da pobreza. Ainda que a escola não se configure como lugar de salvação da sociedade, não podemos desconsiderar a importância de seu papel no processo de formação dos sujeitos, mesmo que se compreenda a necessidade de inúmeros investimentos para que se torne um espaço crítico e emancipatório, de formação para uma sociedade menos desigual.

A situação dos alunos e alunas confinados em domicílios precários, em condições precárias de vida, assim como o agravamento das desigualdades sociais e educacionais, da negligência do Estado em garantir os direitos da população e a carência de políticas públicas mais eficazes, colocam-nos em alerta sobre a necessidade de se pensar a escola para os empobrecidos, de se pensar possibilidades formativas em tempos de pandemia, em que o cenário futuro se faz tão nebuloso, sem previsão do retorno às aulas, sem previsão de retomada de um dos poucos caminhos possíveis para a mudança social. É tempo de refletir sobre a educação e a escola que pretendemos para o futuro, já pensando no percurso que podemos iniciar hoje.

* Mestranda no Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Educação (PPGMPE) na Universidade Federal do Espírito Santo.


Imagem de destaque: Agência Brasil

 

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