A educação nos tempos do Grupo Escolar

Roberta Poltronieri

A instituição escolar e suas relações têm sido um dos campos mais explorados pelas pesquisas educacionais no Brasil. A existência de inúmeros trabalhos que discutem a relação que professores estabelecem com alunos no contexto escolar, especialmente na sala de aula, propõem diversas proposições para a reflexão sobre as práticas que sustentam os processos de ensino e aprendizagem em escolas públicas e privadas. Poucas vezes, contudo, a realidade educacional dos tempos atuais esteve amplamente distanciada dos resquícios que a escola do passado guarda na memória. Professores, alunos, antigas cartilhas e mobiliários escolares de madeira da atmosfera que o Grupo Escolar conduzia para alunos freqüentadores ainda estão presentes no cotidiano escolar. Na história, tão documentada e revisitada, por vezes o significado de aprender e ensinar confunde o imaginário social de famílias e professores envolvidos com o processo educativo a compreensão de educação por meio da punição.

O Grupo Escolar surgiu no Brasil inicialmente em São Paulo, em meados de 1893, buscava-se um novo modelo de organização educacional para as elites oligárquicas no início da República e, ao mesmo tempo, ancorava uma tentativa de romper com os laços do passado imperial. Além disso, devido à industrialização, ocorria a expansão das áreas urbanas nas cidades brasileiras. Desse modo, o antigo Grupo Escolar passou a vigorar em prédios de arquitetura colonial quase sempre bem localizados próximos ao centro das cidades. O uniforme era indispensável. Em alguns casos até o corte de cabelo Chanel foi utilizado como regra em meados de 1930. Entre as décadas de 1950/1960, meninas ajustavam-se em meias até o joelho, camisa branca, gravata e saia azul marinho devidamente feita com pregas. Concomitante a estas características, algumas escolas adotavam o avental branco utilizado tanto por professores quanto por alunos. Assemelhando o contexto escolar e seus atores numa fôrma homogênea de ritualização de práxis educativa, destinada a ceder espaços para o caráter eugenista que a escola carregava em sua maneira de conceber o mundo social.

O fazer professoral constituía-se como um momento tenso, cercado pelo medo e punição. As avaliações eram chamadas de exames e as notas escolares eram classificadas nos boletins em notas vermelhas e azuis. As vermelhas significavam péssimo exemplo, pouco estudo e castigo. As notas A ou 10 eram denominadas como exemplares e dignas de um elogio em variáveis proporções. A palmatória deixou lacunas no ensino básico brasileiro. O medo do erro acompanha alunos em diversas etapas da educação escolar, desde a educação infantil, ensino fundamental, médio e até o superior. O fantasma da punição formatava corpos dos alunos como modelos fabricados. A análise de “Vigiar e Punir” de Foucault em referência ao sistema prisional não se distancia do modelo brasileiro, na medida em que ensinar e aprender em determinadas épocas dependia de mecanismos disciplinares.

No entanto, estas ponderações, que envolvem as características implícitas na escola do passado constantemente visita-nos na atualidade contemporânea. De formas modificadas, a classificação pela suposta “prova” somativa de pontos, declarada por mecanismos externos como Saresp, Saeb, Prova Brasil e outros, compara os alunos a tábulas rasas, dispersos a aprenderem e serem avaliados da mesma forma em todo local do território nacional. Não diferente, que ainda resiste, a avaliação interna nas escolas que reverbera tentativas de encaixar diferentes alunos no mesmo critério avaliativo.

Diante disso, muitas discussões tornam-se pertinentes em vista dos resquícios do passado presente nos dias atuais. Se em determinado momento o Grupo Escolar atendia classes de meninos separadas das classes de meninas – as meninas tinham aula de puericultura, bordado e costura enquanto meninos tinham aulas voltadas para o raciocínio lógico, ferramentas e aulas técnicas – será que é tão recente assim a separação entre “coisas de menino” e “coisas de menina”? Hoje, ambos os gêneros misturam-se, porém, respiram de acordo com a consequência histórica dessa separação quando são revelados os dados da condição da mulher no mundo do trabalho, do machismo e da violência doméstica.

Embora a permanente construção da educação mantenha-se em movimento para a construção de uma sociedade mais democrática, voltar no tempo elucida nossa permanência social enquanto família, professores, profissionais da educação e cidadãos. O Grupo Escolar representou institucionalmente marcas na história da educação nacional que dividem opiniões entre a sociedade em geral. O senso comum até diria que “naquele tempo…”, no entanto, aprofundando a expressão “naquele tempo” encontramos exclusão, medo, disciplina, classificação, desclassificação, racismo e desigualdade por trás das cortinas que encenam o ato educativo. Não tão distante no tempo cronológico e tão perto da subordinação educativa. Nesse sentido, cabe ainda retornar ao Grupo Escolar quantas vezes forem necessárias, a fim de que o conhecimento ressignificado, reavaliado e reconstruído possa então formar bases consistentes para o processo que tende a continuar na construção da educação democrática brasileira.


Referências
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, Editora Vozes, 1999.

Destaque: Turma de 1955 da 4ª série primária masculina do Grupo Escolar Barnabé, foto: acervo de Flávio Manart de Oliveira, publicada em 7 de outubro de 2005 na seção Imagem do Passado do jornal santista A Tribuna

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