Na Conferência Nacional de Educação realizada na última semana, em Brasília, uma das tensões foi a da relação entre a educação pública e a educação privada no Brasil. O que está em jogo não é apenas a presença marcante da iniciativa privada na oferta de vagas na educação brasileira, notadamente no ensino superior, e o importante financiamento por meio da concessão de bilhões de reais concedidos pelo poder público às instituições particulares de ensino, mas também os próprios limites da regulação estatal do sistema.
Essa atualização de uma tensão que perpassa toda a nossa história política e educacional poderia criar a oportunidade para aprofundarmos o debate sobre o entendimento do que seja público e privado em educação no país. Apesar de termos centenas de estudos sobre este tema, parece-nos que eles, em boa parte, reforçam um traço importante de nossa cultura política que é a identificação entre o público e o estatal. Ao produzirem tal identificação, acabam por jogara na vala comum, como não público, tudo que não é estatal.
Não se trata, obviamente, de defender os interesses dos empreendimentos privados em educação como sendo um “serviço público”, como muitos querem. Trata-se de, a nosso ver, retomar as discussões sobre os limites do estatal para comportar o público. De fato, ao longo de nossa história não foram poucas as vezes em que o “Estado” teve uma feição muito pouco pública, e não foram poucos também aqueles que denunciaram isto. A redução do público ao estatal é, parece-nos, um sério questionamento à própria possibilidade da vida democrática plena: aquela que submete continuamente o próprio Estado ao controle público, e não o contrário. O que se observa, historicamente, no Brasil é que tal redução acaba por enfraquecer o espaço público (o espaço do público) e facilita a captura do Estado pela lógica privada.
Desse modo, no caso da educação, seria possível questionar os próprios limites interpostos por nossa cultura política à plena realização de uma escola pública de qualidade no Brasil pela via estatal. O Problema é que se o estatal pode tornar-se público, o privado jamais o será! Nosso problema, conceitual e político, é construir um entendimento de público que englobe e ultrapasse o estatal e, ao mesmo tempo, evite que as políticas públicas sejam capturadas pela lógica do privado, seja este representado pela iniciativa privada ou pelos gestores estatais que assumem a mesma lógica privada na administração do público.
Diante disso, cabe perguntar: como tornar cada vez mais pública, no Brasil, a escola estatal? Uma saída fundamental é submeter cada vez mais a escola pública ao controle do público, possibilitando cada vez mais a intervenção dos cidadãos, por meio da ação individual ou coletiva, nos destinos da educação pública no Brasil. Ao mesmo tempo, mesmo que isso pareça contraditório, é preciso constituir uma burocracia estatal especializada que cuide da gestão da educação pública, fortalecendo-a como uma política de Estado. Um terceiro vetor seria a expansão da escola básica de qualidade para todos ou, no caso do ensino superior, sua extensão a um número muito maior de jovens brasileiros.
A expansão da escola pública de qualidade para todos, a criação de uma burocracia especializada e a criação (ou fortalecimento) de mecanismos de intervenção e controle dos cidadãos sobre as políticas educacionais poderia significar, dentre outras, estratégias para avançarmos no fortalecimento da dimensão pública da escola estatal e, ao mesmo tempo, estabelecer um outro patamar de discussão pública sobre as possíveis contribuições das escolas privadas ao desenvolvimento social brasileiro e sobre o financiamento público dessas instituições.
É preciso lembrar, a este respeito, que o questionamento mais radical à escola pública e ao projeto de alargamento da esfera pública que esta representou nos últimos séculos não advém necessariamente das instituições privadas de ensino, mas de um movimento que questiona a própria escola em suas características mais fundamentais: o movimento de educação doméstica. Também esse movimento, ao questionar os limites da ação estatal na regulação da formação das novas gerações, exige novas respostas conceituais e políticas sobre a velha questão acerca da importância da escola pública para a construção da democracia e do desenvolvimento econômico e social em nossas sociedades. Serão as nossas antigas respostas suficientes para os novos tempos? A realidade atual parece indicar que não.