Volta às Escolas – é preciso dialogar com professoras

Editorial do Jornal Pensar a Educação em Pauta nº 293

O Brasil é hoje o país que, relativamente à sua população, tem o maior número de mortes do mundo provocadas pela pandemia de Covid-19. Somos 2,7% da população mundial, mas concentramos mais de 14,3% das mortes do mundo. Em boa parte, tais mortes são de responsabilidade dos governos da República, sobretudo do governo federal que nunca fez nenhum esforço para esconder as suas políticas de morte.

Apesar do número altíssimo de mortes – nos aproximamos da marca das 140 mil vidas ceifadas – e de não termos nenhuma previsão, nos próximos meses, de que teremos uma vacina contra a doença (e mesmo quando a tivermos, não há previsão de que ela chegará com rapidez para a população), há um crescente engajamento de grupos bolsonaristas e, o que é pior, de pessoas que têm ampla cobertura na mídia, pois têm dinheiro e influência, defendendo a volta às escolas sem que antes sejam discutidas, com a comunidade escolar, diretrizes para um retorno seguro.

Que os grupos bolsonaristas organizados defendam ariscar a vida alheia, não há nenhuma novidade. Nisso, apenas seguem as pegadas e as palavras do seu “minto”, cada vez mais parecido comum Pinóquio crescido do que com um líder de Estado e de Governo.  No entanto, é assustador que lideranças de ONGs e Fundações privadas dedicadas à educação venham a público defender tamanha insensatez.

O Brasil tem, hoje, em torno de 40 milhões de estudantes na escola básica, aos quais se somam mais 4 milhões de trabalhadores e, sobretudo, trabalhadoras da educação. Se consideradas as famílias de cada um desses sujeitos, são maisde 100 milhões de pessoas tocadas, todos os dias, por alguém que vai á escola básica.

Consideradas, pois, as condições de funcionamento de nossas escolas, suas estruturas espaciais e sua ocupação por turmas diferentes nos três turnos, essas instituições são potencialmente explosivas em relação à o propagação do vírus, já alertaram as organizações e especialistas dedicados ao tema. Os desdobramentos disso para o conjunto da população podem ser catastróficos.

Não há ninguém, nenhuma gestora de Fundação privada ou pseudo especialista em educação básica, que conheça mais o cotidiano da escola, e seus alunos e familiares do que as professoras e professores que atuam na escola. São estas e estes profissionais, mais do que ninguém, que têm que ser ouvidos sobre o que é melhor para a escola brasileira hoje.

Historicamente, por razões as mais diversas, os especialistas e órgãos de governo, vieram desqualificando os professores e, sobretudo, as professoras (professorinhas, lembremo-nos!) como sujeitos que não têm condições de pensar e decidir sobre a educação.  Os atuais gestores da educação, em todos os níveis e em todo o país, são um reflexo disso: imaginam poder decidir sobre a vida alheia sem que tais pessoas sejam consultadas, sejam ouvidas.

Não haverá volta às escolas de forma segura se tal volta não for amplamente debatida com a comunidade escolar e, sobretudo, com as(os) profissionais da escola e suas organizações. Não haverá volta ás escolas de forma segura se continuarmos considerando que as professoras e os professores podem educar nossos filhos e filhas, mas não podem decidir sobre as suas próprias condições de trabalho, de saúde e de segurança sanitária. Não haverá volta segura às escolas se continuarmos desconfiando de quem cuida de nossos filhos e filhas e confiando em que cuida de seus próprios interesses e dos negócios que os mantém, seja nos governos seja na iniciativa privada. Não haverá volta segura às escolas se continuarmos considerando que podemos arriscar as vidas alheias, enquanto as pessoas que defendem isso se mantêmseguras em suascasas e nos escritórios de suas empresas e de suas fundações.


Imagem de destaque: Ato organizado pela Apeoesp no dia 28 de agosto de 2020. Foto: Filipe Araujo

 

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