Tristes lembranças, mas necessárias de serem revisitadas

Ruan Debian

Numa tarde trágica no início de outubro de 1969, para uma plateia de aproximadamente cem pessoas, dez seres humanos seriam parte principal de um show de horrores. Contrariando o Artigo 5° da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em que afirma: “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”, na 1° Companhia da Polícia do Exército, o Tenente Ailton ministrava uma macabra aula cujo objetivo fora ensinar como cometer atrocidades. Nas palavras de Elio Gaspari: “O exército brasileiro tinha aprendido a torturar.” (GASPARI, 2002, p.362).

Lamentavelmente, no mês de abril rememoramos tristes acontecimentos de nossa história recente. Na madrugada do dia 31 de março para 1° de abril de 1964 foi desferido mais um golpe na frágil democracia brasileira, que não havia completado sequer 20 anos de existência. Queríamos que fosse apenas uma brincadeira de mal gosto, desagradável, aquelas piadas mórbidas, porém falsas, contadas por algumas pessoas de má fé no dia da mentira, mas a triste realidade foi que em 1964 o Brasil passou a escrever mais uma fétida página de sua história.

Com a Ditadura Civil-Militar, que perdurou por 21 anos, os movimentos estudantis à esquerda foram os primeiros a sofrerem diretamente com o regime instaurado. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC), pertencentes ao movimento estudantil de extrema-direita, em conjunto com o Movimento Anticomunista (MAC), atearam fogo na sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), localizada no Rio de Janeiro, destruindo-a completamente. Não era a primeira vez que o MAC investia contra a UNE, em 1962 cometeram um atentado a tiros na sua sede. (LOPES, 2014). Enquanto o fogaréu ardia na antiga capital do país, dois estudantes foram assassinados pelo exército em Pernambuco enquanto manifestavam pacificamente contra o sistema instaurado. Foram sete vidas perdidas naquele 1º dia de golpe. (GASPARI, 2002).

O CCC possui singular papel no terrorismo de direita no país. Como mencionado, oriundos do movimento estudantil de extrema-direita, ficaram nacionalmente conhecidos quando invadiram a peça Roda Viva, escrita por Chico Buarque (LOPES, 2014).

Os fatos comprovam o receio que os militares nutriam dos movimentos estudantis. Em Belo Horizonte, a Polícia Militar, Aeronáutica e Exército mobilizaram em média de 5.000 homens para impedir um congresso da UNE que aconteceria num convento franciscano. Em São Paulo, atuaram arduamente para impedir que a nova direção da União Estadual dos Estudantes fosse eleita. No Rio de Janeiro, na Universidade do Brasil, em 23 de setembro de 1966, por volta de seiscentos estudantes foram espancados, humilhados e levados para um campo de futebol próximo. (GASPARI, 2002). 

Por fim, neste mês de abril, devemos sempre refletir o quão cruel foi para o povo brasileiro, principalmente àqueles que se opunham ao Regime, a Ditadura Civil-Militar. Os movimentos estudantis de esquerda foram, e são até os dias de hoje, exemplos de resistência. Sem nenhuma dúvida, educação não se faz apenas dentro das salas de aula. Desejamos intensamente, com este breve escrito, que tempos sombrios jamais voltem a assolar nestas terras tupiniquins.

 

Sobre o autor

Educador popular, graduando em pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), militante do coletivo Juntos e membro do CDDH de Betim.

Para saber mais

LOPES, Gustavo Esteves. Ensaios de terrorismo: história oral da atuação do Comando de Caça aos Comunistas. 1. ed. Salvador: Editora Pontocom, 2014.

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MORRA, Rodrigo Patto Sá. Em Guarda Contra o Perigo Vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-164). Niterói: Eduff, 2020.


Imagem de destaque: Pixbay

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