Saúde mental e educação: uma discussão necessária

Cláudia Maria Abreu Cruz

No Brasil, em 18 de maio, comemora-se o dia Nacional da Luta Antimanicomial, uma conquista histórica, resultado da luta de trabalhadores/as da saúde, sindicatos, associações de familiares e de pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas no país.

Inúmeros avanços foram registrados, entretanto nos últimos anos muitos retrocessos foram impostos pelas mudanças nas políticas públicas de saúde mental do país.

Em 2001, a Lei 10.216 determinou novas diretrizes para políticas de saúde mental, prevendo a substituição progressiva dos manicômios existentes por uma rede complexa de serviços de saúde, compreendendo como elemento terapêutico o cuidado dos pacientes em liberdade. Essa lei estabeleceu, em seu art. 1º, que “os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, (…) assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra”, bem como no art. 2º, no inciso II, que “a pessoa com transtorno mental deveria “ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade”.

Em 2008, de forma a atender pessoas com deficiência, o MEC implementou a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Tal política definia princípios e ações que deveriam garantir a escolarização regular e o Atendimento Educacional Especializado para todos/as os/as alunos/as, inclusive com transtornos mentais.

Já em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146/2015 foi amplamente reconhecida no cenário internacional como referência de reestruturação da assistência em saúde mental no mundo.

Entretanto, no segundo semestre de 2021, mudanças significativas na Política Nacional de Saúde Mental foram apresentadas pelo Governo Federal, causando forte mobilização contrária,  encabeçada pela Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde (CISM-CNS) e acompanhada por dezenas de associações de usuárias/os dos serviços de saúde mental, trabalhadores/as, gestores/as, ONGs, movimentos sociais antimanicomiais, fóruns antiproibicionistas e órgãos de classe, como sindicatos e conselhos profissionais da área da saúde.

Segundo a ONU News, em outubro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentou um relatório alarmante sobre o acesso da população aos cuidados de saúde mental. Segundo o documento, com a pandemia do COVID-19 ficou mais perceptível o aumento do número de pessoas que necessitam de tratamento de saúde mental. De acordo com o Atlas da Saúde Mental, publicado pela agência e que inclui dados de 171 países, é extremamente preocupante o aumento evidente pela necessidade de serviços de saúde mental. Além de que os investimentos financeiros dos governos para essa área não atendem a real demanda que se apresenta.

Conforme informa o Atlas da ONU, em média, apenas 2% dos orçamentos dos governos para o setor da saúde são reservados a serviços de saúde mental.  Apenas 51% dos países-membros da OMS informaram que tinham políticas de saúde mental que estavam de acordo com normas internacionais de direitos humanos. Apenas 52% das 194 nações tinham programas de prevenção e de promoção da saúde mental e a única meta atingida foi uma redução de 10% no índice de suicídio, mas apenas 35 países confirmaram ter uma estratégia de prevenção.

No âmbito da educação, a questão da saúde mental continua a apresentar desafios, uma vez que o tema ainda pode ser considerado tabu nesse ambiente. Além disso, sabe-se que problemas de saúde mental podem dificultar o desempenho dos/as aprendizes e ampliar de forma significativa a evasão escolar e a distorção ano/série/idade.

Uma pesquisa conduzida por cientistas brasileiros e britânicos publicada na revista Epidemiology and Psychiatric Sciences, avaliou o peso e o impacto de diferentes tipos de condições psiquiátricas nos resultados educacionais, usando como base dados de 2014.

De forma resumida, a pesquisa apontou que pelo menos dez a cada cem meninas que estavam fora da série escolar adequada para sua idade poderiam ter acompanhado a turma, se transtornos mentais fossem prevenidos ou tratados. O impacto negativo dessas condições mentais também se reflete na repetência: cinco em cada cem alunas não teriam reprovado. Para meninos, seriam prevenidos 5,3% dos casos de distorção idade-série e 4,8% das reprovações.

De acordo com a OMS os casos de problemas de saúde mental entre adolescentes cresceram de maneira exponencial nos últimos 25 anos. Um em cada cinco adolescentes enfrentará problemas de saúde mental, porém a maior parte destes casos não é diagnosticada ou tratada.

Para Rodrigo Bressan, autor de Saúde Mental na Escola e fundador do Y-Mind – Centro de Prevenção em Transtornos Mentais, estima-se que em uma turma de 30, entre 3 e 5 alunos terão algum problema de saúde mental, incluindo transtornos de ansiedade, depressão e déficit de atenção, transtornos de conduta e hiperatividade. (NOVA ESCOLA, s/d)

Por outro lado, o corpo docente também se apresenta bastante adoecido. Uma pesquisa realizada por NOVA ESCOLA revelou que “60% dos/as professores/as sofrem com ansiedade, estresse e dores de cabeça e 66% já sentiram fraqueza, incapacidade ou medo de ir trabalhar. Para 87%, os problemas de saúde são ocasionados ou intensificados pela profissão. Os resultados demonstram que saúde mental é um dos temas mais relevantes entre os professores e que precisa da nossa atenção”.

Desta forma, pelo breve exposto, fica clara a importância cada vez maior da capacitação de professores/as sobre saúde mental e seus impactos, uma vez que a temática ainda está ausente ou pouco aprofundada nas formações dos/ as profissionais de educação. É primordial que os/as educadores/as se debrucem sobre a questão, analisem e discutam visando ampliar a qualificação profissional e ter um maior cuidado sobre a sua própria condição de saúde mental e de seus/suas alunos/as. Sabe-se que a base da prevenção é a informação, e conhecer sobre o assunto é o primeiro passo para quebrar o estigma e ao mesmo tempo atentar-se para os sinais da doença no ambiente escolar.

 

Para saber mais
BRASIL, LEI Nº 10.216 DE 06 DE ABRIL DE 2001, Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=10216&ano=2001&ato=b4foXWE5kMNpWT0b8 Acesso em: março de 2022.

CONSTANTINO, L., Prevenir transtornos mentais pode evitar evasão escolar e repetência. Veja Saúde, Agência Fapesp, 29 nov. 2021.  Disponível em: https://saude.abril.com.br/familia/prevenir-transtornos-mentais-pode-evitar-evasao-escolar-e-repetencia/ Acesso em: maio de 2022.

OLIVEIRA, T. Como está a saúde mental nas escolas? NOVA ESCOLA. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/17034/como-esta-a-saude-mental-nas-escolas. Acesso em: abril de 2022.

PEREIRA, M. R. Uma breve e recente história da Reforma Psiquiátrica brasileira 8 de julho de 2021, Desinstitute, Disponível em:  https://desinstitute.org.br/noticias/uma-breve-e-recente-historia-da-reforma-psiquiatrica-brasileira/?gclid=CjwKCAjw682TBhATEiwA9crl31ScJOZHAGlIwPKfTZ5F1Vwb7UkCmj3HzGD5ss83RvvYsOvHMcDQYhoCD6EQAvD_BwE  Acesso em: maio de 2022.

PERSPECTIVA GLOBAL REPORTAGENS HUMANAS, SAÚDE. Sem investimentos, mundo não cumpre metas de serviços de saúde mental, ONU News, 8 outubro 2021. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/10/1765902 Acesso em: abril de 2022.


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