Retorno obrigatório da comunidade escolar às salas de aula em Minas Gerais – Como encarar essa realidade?

Estela Costa Tiburcio

Acredito que para se falar do cotidiano, da veloz reformulação social que a pandemia instituiu ao ser humano, bem como o retorno às práticas antes vistas como tão comuns, não devo me distanciar de teorias. Estas que, embora originadas em outras épocas, dialogam de maneira interessante com a atualidade.

Em um artigo publicado no segundo semestre de 2019, Claudia Raimundo Reyes e Fabiana Giovani atrelam a perspectiva do filósofo russo Mikhail Bakhtin à prática educacional. Ao longo da Revista do Curso de Letras da UNIABEU, as autoras discorrem o modo com que a teoria bakhtiniana – referência no que diz respeito ao “eu” e ao “outro” através do enunciado – é eficiente nas discussões escolares ao passo que se observa os ambientes cultural e político. 

A partir disso, percebe-se que as diferentes formas de linguagem, enquanto meio de interação humana, são fundamentais na atenuação do isolamento social e das fobias geradas por esse, não só no aspecto cognitivo dos indivíduos adultos, como principalmente aqueles que estão nas fases de primeira e segunda infâncias. Não é à toa que em pesquisas básicas na internet encontro linhas e mais linhas que retratam a importância de manter as crianças ativas psicologicamente em meio ao cenário da pandemia de Covid-19. 

As atividades escolares remotas presentes no cotidiano de muitas pessoas desde o ano de 2020, de modo geral podem ser consideradas destoantes das formulações comuns e até mesmo benéficas pela opinião de muitos. Isso se dá principalmente se considerarmos o salto tecnológico do século XXI, visto que aparelhos eletrônicos, a internet e suas possibilidades se aproximaram mais da população em geral. Pelo menos na teoria, não é?

 Sendo assim, chego à questão crucial que desemboca nas minhas contestações de hoje: Com mais de 70% da população brasileira vacinada com a primeira dose ou dose única de imunizante contra a Covid-19, levando em conta a extensa defasagem de ensino em tempos de pandemia, já pontuada por especialistas em educação, bem como o modo como o poder público federal encarou com sarcasmo a situação e as necessidades básicas da população brasileira – de que modo se projeta um retorno coerente às escolas? É possível balancear os prós e contras? Mais especificamente no estado de Minas Gerais, é preocupação com os estudantes ou tática de politicagem o retorno às aulas?

Enfim, são muitas perguntas e estas por si só geram debates infindáveis, o que é justo, afinal estamos inseridos na situação nesse exato momento. Eu, enquanto estudante, não tenho resposta imediata para nenhuma dessas questões, mas são apontamentos que me perpassam e que muitas das vezes me fazem recorrer à teoria para entender melhor, já que esta, ao meu ver, consegue discutir a sociedade de forma mais panorâmica.

Embora Bakhtin seja adepto de uma educação e linguagem sem moldes ou reprodução mecânica de saberes, ao parear sua teoria com o tortuoso ensino público remoto em voga no Brasil, é preciso reconhecer que os aportes tecnológicos demandados pela comunidade escolar estão além do que foi disponibilizado pelos líderes políticos. A dignidade no ambiente educacional, ou seja, aquilo que envolve ferramentas, espaço, escuta e diálogo necessários para desenvolvimento dos estudos e relações interpessoais, se tornam ponto-chave na construção da autonomia e, consequentemente, uma linguagem educacional sem moldagem rígida. 

E por falar em autonomia, o professor Paulo Freire não poderia ficar de fora dessas minhas observações, afinal, em sua obra de 1996 – Pedagogia da Autonomia – Freire enfatiza que as individualidades e cultura dos educandos devem ser respeitadas para uma forma efetiva de aprendizado. O que me provoca agora é pensar na ética, responsabilidade social e sanitária, ou talvez a falta desses três conceitos, envolvidos na obrigatoriedade do retorno presencial às escolas estaduais em Minas Gerais.

O governador Romeu Zema (Partido Novo), recentemente, teve declarações desmentidas pelo SindUTE-MG e também pela deputada Beatriz Cerqueira (PT). Na situação, o chefe do Executivo mineiro havia dito que os profissionais em educação do estado haviam recebido uma “ajuda de custo” durante o ensino remoto para pagarem a conta de telefone. Será essa uma tática de Zema para dizer que o ensino remoto funcionou sem imbróglios em Minas Gerais? Creio que sim, pois é de interesse dele passar essa boa impressão aos meios midiáticos haja vista a proximidade do ano eleitoral e também para facilitar o aval – muitas vezes simbólico – aos seus demais projetos no âmbito da educação. 

A título de exemplificação cito o projeto que serviu como tema para dois textos meus, o “Mãos Dadas”. Esse, que apesar de muitas lacunas no que tange à praticidade e benefícios, já foi aderido por diversos municípios sem a garantia de uma execução saudável para a comunidade educacional. Infelizmente, nessa mesma linha há o veto do Presidente da República, Jair Bolsonaro, ao repasse de R$3,5 bilhões para investimento em acesso à internet na educação pública. Situação que apesar de ainda não estar totalmente finalizada, congestiona o direito ao aprendizado minimamente digno a milhares de estudantes em meio à pandemia. No mais, o caos sistemático se agrava ao passo que a extinção do programa Bolsa Família e a incerteza de um novo plano eficaz ao menos na teoria, potencializa a insegurança alimentar já vigente no país. 

Acredito que para abolir o comparecimento obrigatório às instituições de ensino, o Executivo em âmbito estadual deveria levar em consideração os mínimos esforços éticos e financeiros exercidos até o momento. Já que estes, deixam em evidência a falta de amparo não só perante à comunidade escolar, bem como à população em geral. A contradição existe entre a necessidade do contato presencial para um ensino acolhedor e o cuidado com que isso deveria ser feito, levando em conta as limitações de quem frequenta a escola pública. 

Em resumo, não faz sentido forçar um ensino virtual insalubre por mais de um ano e, em seguida, exigir que estudantes, famílias e professores estejam a postos para o ensino presencial. Esse, que eu arrisco a dizer que dificilmente irá conter as defasagens de ensino, bem como o desgaste psicológico dos que estão na “grande teia educacional”, principalmente ao considerar a precariedade de longa data em muitas regionais.

Acredito que o Esperançar do professor Paulo Freire não é em vão, mas me questiono muito acerca das construções de autonomia e aporte público que temos na atualidade para que essa esperança esteja simultaneamente mais palpável e próxima dos nossos olhos. Pensando nesse exato momento de leitura, será mesmo que a educação pública brasileira segue a passos firmes?


Imagem de destaque: Senado Federal

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