Retomada das aulas: saúde mental, aprendizados e reaprendizados 

Rafael Vinicius da Fonseca Pereira

O mês de fevereiro marcou o início da volta às aulas presenciais para a maioria das redes estaduais e municipais de educação do Brasil. Desde então, em minhas práticas, venho percebendo um aumento do número de reclamações relacionadas à ansiedade, ao avanço do estresse e da fadiga, dificuldade de concentração, indisposição para realizar tarefas e atividades, etc.

Acompanhando os noticiários, relatos de violência, ansiedade e problemas vinculados à saúde mental dos estudantes se tornaram constantes. Nos últimos meses, por exemplo, três casos ganharam notoriedade em âmbito nacional. O primeiro, chama a atenção pelo número de estudantes envolvidos, os dois outros são sintomáticos, pois envolveram estudantes muito jovens.

No dia 08 de abril vivenciamos um caso alarmante. O serviço do Samu foi acionado para uma emergência em Pernambuco. Um número total de 26 estudantes sofreu uma crise de ansiedade coletiva na Escola de Referência em Ensino Médio Ageu Magalhães, em Recife. Ao todo, foram mobilizados 16 profissionais de saúde, 6 ambulâncias e 2 motocicletas para prestar socorro aos estudantes. Os principais sintomas relatados foram choro incontrolado, angústia, falta de ar e tremor. Não por acaso, a escola estava no período de provas, as primeiras desde o retorno presencial.

Em março, mais precisamente no dia 22, um caso de agressão em uma escola de São Paulo também ganhou enorme repercussão. Um adolescente de 13 anos desferiu 10 golpes de faca contra uma colega da mesma sala do 8º ano no colégio particular Floresta, situado no distrito de São Miguel Paulista, no município de São Paulo. A menina, também de 13 anos, foi atingida pelas costas dentro da sala.

Recentemente, no Rio de Janeiro, 4 adolescentes de uma escola municipal foram esfaqueados na manhã do dia 06 de maio. O caso de violência ocorreu na Escola Municipal Brigadeiro Eduardo Gomes, na Ilha do Governador. As vítimas eram ambas da mesma turma e com idade entre 14 e 15 anos. O agressor, também adolescente, já estava recebendo ajuda psicológica no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil da Ilha do Governador.

Casos de violência e crises de ansiedade entre estudantes coincidem (claro!) com a retomada das aulas presenciais nos estados e municípios e não se tratam de episódios isolados. Naturalmente, o ambiente escolar tende a ser estressante e desencadear crises de ansiedade entre os educandos. Isso se explica por diversos fatores, a pressão constante dos pais por resultados, a realização de tarefas, cumprir com os prazos, apresentar trabalhos, o excesso de atividades, a lógica competitiva e muitas vezes individualista de algumas escolas, a expectativa de ser aprovado. Enfim, inúmeros são os fatores internos e externos que podem afetar a saúde mental dos estudantes. A esses fatores, porém, somam-se agravantes ainda inéditos ocasionados pelo longo período de isolamento social em decorrência da pandemia da Covid-19.

Segundo dados de um levantamento recente realizado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, a cada três estudantes, dois apresentam sintomas de depressão e ansiedade. O levantamento foi realizado entre os estudantes do 5º e 9º ano do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio da rede estadual. Ao todo, o estudo contou com a participação de 642 mil alunos inseridos no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Os números são alarmantes. Do grupo total avaliado, um em cada três estudantes afirmou ter dificuldade de concentração em sala de aula. Além disso, pouco mais de 18% afirmaram sofrer de insônia em decorrência das preocupações e problemas escolares. O estudo teve como objetivo analisar impactos provocados pela pandemia e pelo isolamento social no desenvolvimento das habilidades socioemocionais dos jovens e adolescentes.

Vivenciamos, hoje, uma realidade ainda incerta imposta abruptamente a toda a sociedade. E esse novo cenário nos obriga a refletir sobre práticas educacionais capazes de responder à multiplicidade de problemas e desafios que a retomada das aulas presenciais está provocando no cotidiano das escolas. O isolamento engendrou um ambiente bastante fértil para o desenvolvimento de situações de ansiedade, estresse, irritabilidade e agressividade, comprometendo a saúde mental de discentes e docentes. Nada mais natural que o retorno das aulas seja marcado por instabilidades e desregramentos emocionais. Afinal, por aproximadamente dois anos nos mantemos privados da ampla convivência coletiva e o restabelecimento das antigas rotinas requer tempo e paciência tanto de professores quanto de estudantes.

Assim como o ensino remoto exigiu aprendizados repentinos, será necessário (re)aprendermos a viver as novas rotinas da sala de aula. É preciso compreendermos (com paciência e uma boa parcela de sensibilidade) os desafios que essa geração de educandos, marcada pelo trauma da pandemia, impõem à comunidade escolar.

 

Sobre o autor
Licenciado em História pela UFMG teve formação complementada na Universidade de Évora (UÉ), Portugal. Possui mestrado em História pela UFMG na área de História da Ciência e, atualmente, cursa o Doutorado em História pela mesma universidade. Especialista em educação, é membro do Travessia – Grupo CNPq de Estudo e Pesquisa dedicado a pensar e discutir os desafios relacionados ao ensino de História.


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