Por orientação dos meus advogados…

Dalvit Greiner

Quando o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL) foi preso, ele seguiu a mesma lógica dos bolsonaristas: um apelo humilde e humilhante à Justiça. Não há nada de errado nisso: é um direito dele e direitos devem ser exercidos. Mas, para que se tome tal atitude é preciso confiar na Justiça e nos aparelhos judiciários. É preciso reforçá-los e não os destruir. É preciso contribuir no seu melhoramento, não na sua desconstrução.

Porém, a vida pregressa dos bolsonaristas demonstra que eles não confiam, não acreditam, não querem nada que venha dos poderes da República. Não são afeitos a nenhuma instituição republicana e democrática, principalmente aqueles poderes colegiados: judiciário e legislativo. Demonstram sim, acreditar e confiar nos seus personalismos, discursos de ódio, músculos e armas de fogo.

Quando são convocados como simples testemunhas na CPI da Covid-19, no Senado Federal, primeiro correm ao Supremo Tribunal Federal: exigem as garantias constitucionais, pedem habeas corpus e aí “por orientação dos meus advogados…” se calam diante daquilo que disseram antes. Ou seja, não são capazes de manter a palavra, seja ela dita ou escrita. Não são capazes de manter a palavra justamente porque suas palavras não são a expressão da verdade.

À medida em que a CPI da Covid-19 avança sobre esses “machos” (e infelizmente também temos mulheres com tais atitudes) o que mais me espanta é a quantidade de mentiras. São de uma criatividade sem educação, sem inteligência, sem ética. Não falo de qualidade, pois nenhuma mentira tem qualidade. Por mais que seja dourada, nenhuma mentira é duradoura. 

Aqueles que lá aparecem, seguem o mesmo roteiro: tentativa de fuga, recurso ao STF e à Constituição, apelo às instituições que pretendem destruir. E, expostos à sua própria mentira, se calam “por orientação dos meus advogados…”. Este é o momento em que se lembram de que vivemos num Estado Democrático de Direitos. Imediatamente, arrogam para si, direitos que negam a todos os outros que não se cumpliciam em suas mentiras e corrupções.

Um Estado Democrático de Direitos exige um estado de coisas em que o diálogo, o respeito, a verdade se tornem valores que constroem os direitos coletivos. Exige o banimento de toda e qualquer violência. Somente assim para que se mantenha no tempo e no espaço. Exige a Democracia, como valor e como procedimento. Não o seu contrário. Nenhum outro modelo de Estado garantirá os direitos necessários à convivência humana e à vida no planeta.

À época da prisão do deputado, lembrei-me das relações de mando e obediência existente entre os machos. A expressão “cabra-macho”, tão popularizada no Nordeste brasileiro – e por que não dizer em todo o país – demonstra todo o machismo do adulto, seja homem ou mulher. As crianças do sexo masculino são socializadas para não chorar, não arregar e partir para cima do outro. Nada de diálogo. Diálogo é coisa de quem não sabe dar pancada.

Diálogo é coisa de mulher, de homem, de trabalhadora, de trabalhador, de negra, de negro, de indígena, de LGBTQIA+, de pobre, de sem-teto e sem-terra, de desvalida e desvalido, de excluída e excluído da sociedade, de desempregada e desempregado, de adolescente, de criança, de velha e velho. Diálogo é coisa de quem é democrata. Diálogo é coisa de quem quer construir.

Lenine, no seu Candeeiro encantado, explica: “Lá no sertão, cabra-macho não ajoelha” e emenda: “Nem faz parelha com quem é de traição”. A música é linda e ótima fazendo a gente pensar no banditismo social, aquele que a Nação Zumbi – na voz de Chico Science – nos lembra que é uma “questão de classe”. Ao continuar ouvindo, a gente aprende que lá, naquele sertão, não tem lei, não tem democracia. Só a lei do cão e por isso a força.

Democracia não é coisa para machos. Machos só são machos porque não acreditam na Igualdade, no diálogo.

 

Para saber mais:
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

CECCHETTO, Fátima Regina. Violência e estilos de masculinidade : Violência, Cultura e Poder.  Editora FGV, Rio de Janeiro, 2004.


Imagem de destaque: Unsplash  

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