Universidades para quem? A EJA e o ENEM.

Octávio Ribeiro

Nos dois últimos finais de semana deste mês de novembro acontecem as provas do Exame Nacional do Ensino Médio, avaliação que atualmente é utilizada como vestibular pela grande maioria das universidades brasileiras. Há um método de ingresso, adotado inclusive pelas universidades públicas, que constroem uma concepção falsa de que há meritocracia e que os ditos “mais esforçados” são contemplados com a sonhada vaga para ingressar no Ensino Superior, contudo, quem analisa este cenário desta forma ignora que cada sujeito parte de um ponto inicial e carrega consigo sua história. Não é possível equiparar o alcance de preparo que o capital fornece àqueles que o possuem, desde as condições da primeira infância ao custeio dos mais caros cursos preparatórios, há uma grande desigualdade social no país que não é levada em consideração nesse sistema, se coloca na balança o conhecimento sobre conteúdos didáticos específicos, mas o que mais pesa para as classes sociais populares é ignorado, por sua vez são estes que estão sobrecarregados com os pesos sobre os ombros.

É preciso que a EJA funciona com objetivos além dos conteúdos didáticos, é fundamental a construção crítica sobre a educação e como ela pode refletir nas vidas particulares de cada um dos estudantes, estes que muitas vezes não possuíram a oportunidade de realizar tal introspecção anteriormente por conta dos percalços enfrentados em sua rotina. A autonomia dos sujeitos está diretamente relacionada com seu empoderamento, ato que demanda clareza sobre o contexto que os incorpora e autoestima, alicerces da força da busca por transformação, é uma resposta do povo, é uma reação contra as barreiras econômicas e de sistemas simbólicos (FREIRE, 2003-a). 

A tarefa não é simples. Por se tratar de uma construção coletiva, os problemas particulares dos estudantes também são socializados e, mais difícil do que lidar com as adversidades, para as quais já há preparo para oferecer alternativas ou até mesmo palavras de conforto, há a importância de dialogar sobre os sonhos desses sujeitos de direitos. Dessa forma, caso não haja êxito na primeira tentativa, haverá um preparo para lidar com as frustrações e o entendimento de que a busca por transformação deve seguir etapas graduais e algumas vezes lentas. Durante a preparação para o vestibular encontrar estímulo para seguir estudando é um desafio, desde a Educação Básica há a busca por sentido em estudar para a obtenção de um resultado quantitativo do desempenho ao longo do ano letivo, o que não acontece quando estamos nos preparando para um processo seletivo com retorno futuro, estudar pode se esvaziar de significado para aqueles que ainda não conseguem enxergar uma graduação como algo próximo da sua realidade.

As dificuldades são incontáveis. A EJA deve tentar se adequar à realidade dos seus estudantes com os quais trabalham, apresentar alternativas ou buscar apoio através de parcerias para que seja possível dar continuidade ao trabalho, como os cursinhos populares. E, apesar do objetivo final ser realizar provas de vestibulares, as aulas devem se adaptar à realidade dos estudantes para causar interesse e motivá-los a se tornarem participativos. Geralmente os cursinhos populares dedicam parte do tempo das aulas para debates sobre atualidades e a realidade social dos estudantes, talvez seja a parte mais importante destes projetos, despertar nos alunos o desejo de compreender os motivos pelos quais se encontram em situação de vulnerabilidade ou o porquê de dificuldades maiores serem postas diante deles na busca por um novo espaço na sociedade (FREIRE, 1978).  O sentimento de pertencimento e de identidade é um motor para que haja forças suficientes para enfrentar os contratempos, se sentindo acolhidos pela unidade comunitária os indivíduos se fortalecem.

Dar início a um curso superior apresenta aos alunos sujeitos de direitos um novo mundo de possibilidades de trabalho, diferente do que muitas vezes possam acreditar, influenciados pelos exemplos do contexto sociocultural que convivem, é uma oportunidade de empoderamento diante das opressões. Estas ações populares aliadas à política de cotas quando foi sancionada a Lei nº 12.711/2012, significam a resistência das camadas populares que respondem a violência sofrida com uma luta por espaço, por voz e por representatividade. A construção de consciência que compreende o peso das condições de raça, gênero e classe para a preparação do futuro individual constitui fator indispensável para a conquista da autonomia que edifica a luta libertária (FREIRE, 2003-b).

Para saber mais 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003-a 245 p. _. Política e Educação. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2003-b. 119 p. _. Pedagogia do Oprimido. 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 218p.


Imagem de destaque: Agência Brasil

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