Uma escolha paradoxal

Daniel Machado da Conceição

Os estudantes, pós-isolamento social, estão enfrentando dificuldades pela quebra de linearidade no processo de socialização que experimentaram. As regras de sociabilidade aprendidas são frágeis, e a ausência de uma maior vivência coletiva impediu o desenvolvimento de empatia.

O isolamento social apenas agravou uma situação em que a individualização da sociedade e o uso excessivo dos dispositivos móveis impactam na maneira de se relacionar com o outro. Soma-se à meritocracia, que intensifica a competição; a necessidade de comparação constante com os outros; o agorismo das respostas rápidas e curtas; o desejo de recompensa imediata; e o sentimento de ter sempre uma satisfação plena.

Esse novo cenário social que as juventudes estão enfrentando resulta no aumento do número de síndromes emocionais (depressão, estresse e ansiedade), além de descaracterizar a maneira de viver coletivamente, afetando sua forma e conteúdo (SIMMEL, 1983). Uma consequência é o tempo que os professores estão dedicando em suas aulas para dar orientações sobre regras de convívio e resolução de conflitos. O ensino do conteúdo programático que deveria gerar aprendizado e, por fim, resultar na autonomia do sujeito. Está sendo perdido pelas longas intervenções para reprimendas, orientações, conselhos e mesmo punições.

Muitos estudantes não percebem que os passeios fora da escola, jogos, dinâmicas e atividades em grupo (mesmo em duplas) estão sendo reduzidos em razão do alvoroço, desrespeito, desorganização e preguiça em atender a proposta do professor. Uma sugestão elaborada como capaz de mitigar essa realidade é aplicar no Ensino Fundamental e o Médio uma prática muito comum e necessária na Educação Infantil, a semana de adaptação. Parece deslocada essa sugestão, mas, no retorno das aulas, a primeira semana deveria servir para articulação dos profissionais no desenvolvimento de atividades que despertem e enfatizem as regras de sociabilidade para uma melhor coletividade.

A escola precisa proporcionar um espaço de conversa aberta, autoavaliação e dinâmicas de grupo, visando proporcionar maior conhecimento sobre o outro e por fim gerar empatia. Todos precisam se envolver ou continuaremos durante o ano letivo com uma resposta pronta que diz: o problema é o professor ou o componente curricular que não agrada à turma.

Atuando como professor de História nos anos finais na rede municipal de educação de Florianópolis, tenho a oportunidade de estar com três turmas de sexto ano. A relação é agradável, em alguns momentos você pensa: o que estou fazendo aqui? Conflitos, picuinhas, ciúmes, inveja, egoísmo, palavrões, xingamentos e muita maldade entre os estudantes. Em outros, a satisfação de ensinar e perceber o aprendizado acontecer é algo extraordinário. Sem contar os abraços, frases de carinho, desenhos dos estudantes retratando o professor e os sorrisos. Ah, os sorrisos! Não é apenas o reconhecimento, é aquilo que afeta a autoestima de qualquer profissional, a realização pessoal.

No sexto ano estamos conversando sobre a Grécia Antiga. Aprendemos sobre os povos que originaram essa importante civilização, discutimos os principais conceitos como: democracia, pólis, cidadão, mitologia, estrutura social e papéis de gênero. Em determinado momento observamos o tipo de educação nas cidades-estado de Atenas e Esparta. A primeira dedicada à arte, à atividade física (esporte), à filosofia e à retórica. A segunda dedicada à guerra, um adestramento que começava aos 07 anos e consegui forjar os guerreiros mais destemidos.

Durante essa conversa um estudante levanta a mão e pergunta: professor, vamos ver que tipo educação os colegas gostariam de ter? Em outras palavras, ele estava interessado em saber o que os colegas escolheriam entre dois projetos antagônicos. As características principais dos dois processos haviam sido apresentadas, acabaram de assistir um vídeo curto que representava e confirmava tal distinção. Então, qual seria a resposta da maioria? Esparta era brutal, cheia de disciplina, ordem e violência, ações necessárias para levar o corpo e o emocional ao extremo. Em Atenas, a contemplação dava vida e significado às relações, o aprendizado também era exigente para aprimorar habilidades e técnicas, mas a ênfase era a capacidade de refletir e dialogar.

Após uma breve organização, utilizamos o ritual dos povos que deram origem à Grécia Antiga, levantar a mão como sinal de escolha. Para surpresa do professor e de alguns poucos estudantes, a maioria esmagadora escolheu o modelo de educação espartana.

Estarrecido comecei intimamente a ponderar, como uma geração, pós-isolamento social, que não gosta de seguir regras escolhe a submissão plena, disciplinamento metódico extremado? É paradoxal, não gostam de simples regras de sociabilidade, pois fere a individualidade do quem eu sou, mas se pudessem escolher desejariam viver em uma sociedade altamente disciplinada (adestrada).

Essa bela provocação de um estudante do sexto ano garantiu uma boa reflexão. A imagem do guerreiro espartano, o herói, encontra no discurso do mérito, na individualização, no imediatismo entre vida e morte, na vocação ou missão e exalta a representação do corpo ideal. Isso acaba atenuando a aceitação daquilo para o professor pareceu um paradoxo.

Quando olhamos para Esparta, mesmo após séculos do nosso processo civilizador, suas práticas apontam para brutalidade, violência e barbárie. Porém, o pensamento contemporâneo parece valorizar essa conduta, mesmo que de maneira disfarçada. Talvez por isso o ovo da servente eclodiu e o futuro da sociedade nunca foi uma incógnita tão grande.

Para saber mais
SIMMEL, Georg. Georg Simmel: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.


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