Que docências vozeamos?

Douglas Tomácio¹

Walesson Gomes da Silva²

Vozear. Sim, vozear. Implica no revelar algo, ao passo que se revela a si e impõe-se o desafio de saber com isso lidar. Em suma, é o jogo do expor-se, reverberando as potências e fragilidades disso advindas – já dizia aquela que, vozeando*, é companheira de jornada docente e, ainda, mestra-educadora a ensinar-me/nos.  

A questão que fica é: como docentes, o que temos nós vozeado? Há nesse fazer a compreensão dos processos tantos de com o outro lidar? Esse outro/outra/outre, que, no encontro, aponta a historicidade de seu viver tão repleto de nuances de um Brasil desigual, tem sido por nós compreendido como efetivo inter(junto)locutor? 

Por vezes, adeptos às tantas metodologias e buscas (desejáveis e necessárias, importa destacar), bem como refém dos atarefares que muito sobrecarregam, deixamos de lado algo que caro nos pode ser: o encontro. E não um encontro qualquer, mas o encontro com aquele dito outro/outra/outre no caminhar-educação. O mesmo que, conforme adverte Freire (2018), se deve dar no trânsito dialógico e em rigorosidade. O encontro que, por assim sê-lo, se estrutura sob ávida e respeitosa escuta aos saberes (vozeares) dos educandos, assinando a ética crítica e horizontalizada. 

Nesse lugar estando, podemos, povoando-nos das discentes vidas em EJA, silenciar nossos pensamentos ruidosos, ao passo que nos distanciamos da ânsia tenebrosa do “domínio de classe”. Trata-se de entender que, no encontro-aula, a confiança se dá e não como uma ingênua aposta no acaso (bem sabemos que não), mas pela propositada ação concreta. Esta, por sua vez, ousada e assertivamente, não prescinde do caráter também convidativo àquilo que abstrato é, que do outro vem, que ameaça os desejados controles em demasia. Há vozeares discentes pedindo mudanças… Escutemos. 

E no vozear docente afeto aos anseios estudantis, revela-se, pois, o espaço sensível; o qual não se confunde com o verbalismo e ativismo, a que nos chamou atenção o patrono da educação brasileira. Em cena está o seu contrário, também por Freire (2000) apontado: aquele em que a propositura formadora se erige nas relações que, plurais, assinalam a força de suas transcendências, de suas temporalidades, da criticidade lúcida, enfim, de sujeitos que mutuamente respondem, desejam e (re)inventam. 

Neste imbricado compromisso, podemos considerar que está o vozear de uma docência/discência, de uma relação ensino-aprendizagem, com o mundo povoado dos sujeitos-EJA; mundo este aberto às relações que são, estão e reverberam o fazer implicado. Retomemos, agora, a pergunta que já no início nos provocou: o que temos vozeado enquanto educadores? 

Somos capazes de, atentos estando, perceber que o nosso fazer precisa vozear dialogicidade? Cabe, ainda nesta compreensão, a pausa silenciosa como oportuna ação de escuta ao outro? Que exposições revelam nossa fragilidade-potência quando vozeamos os professorares cotidianos? 

Ao longo da jornada e das companhias docentes-discentes todas (inclusive e principalmente nas tessituras na, da e pela EJA), temos compreendido que educar é também vozear. É revelar-se de si, para si e para o outro. Este, sujeito histórico e experienciador do educar que negado lhe foi, enquanto educando da EJA, agora a nós mira na condição de docentes e com isso constrói seu percurso formativo. São construções povoadas, repletas das histórias que precisam (e devem) vozeadas ser; como apontamento dos trajetos a serem coletivamente percorridos.   

Se entendermos que nosso vozear é também silêncio (a nós em nosso “eu” e escuta ao outro), compreendendo que o não som não quer dizer vazio, quiçá, possamos encontrar caminhos de música-ensinança: aquela que, por nós ouvida, nos possibilita o vozear de maestria conjunta, nos desenhos de partituras da inter(junto)locução que entende o outro, efetivamente, como um/uns alguém. Musiquemos e entoemos o baile.   

 

1 – Historiador, Pedagogo. Professor do Departamento de Educação e Ciências Humanas (DECH) e da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Professor do Instituto DH – Pesquisa, Promoção e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania. E-mail: dtlmeduc@gmail.com

2 – Pós-Doutor em Estudos da Ocupação EEFFTO-UFMG, Doutor e Mestre em Estudos do Lazer EEFFTO-UFMG. Professor e Pesquisador da UEMG. Professor Colaborador do PROMESTRE Mestrado Profissional em Educação da FaE/UFMG. E-mail: walesson@ufmg.br

3 – Professora Ana Hadad, atriz, cantora, pesquisadora do trabalho vocal, dentre tantas faces outras que vozeiam ensinanças (inclusive aquelas referentes ao aguçado e mais atento olhar ao vozear). 

 

Para saber mais

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 2018. 

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1967/ 24. 2000.


Imagem de destaque: Ilustração de Bruna Helena (Professora e atriz)

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