Qual o símbolo da Bahia? A monumentalização de uma independência colonizada

Sthéfano dos Santos*

Ao analisar a documentação do período que antecedeu o Centenário da Independência do Brasil, é possível verificar debates relativos à vontade de determinados grupos em construir monumentos que pudessem eternizar este evento. Uma busca pela revista Bahia Illustrada nos apontam discursos nos quais alguns sujeitos declaravam interesse em monumentalizar suas concepções de independência. Com essas fontes torna-se possível problematizar a construção de monumentos como símbolos públicos de produção de memórias coletivas, além de perceber questões referentes às mudanças e permanências que ainda vigoram na esfera política, social e cultural da atualidade, dando atenção à presença dessas imagens no ambiente público das cidades.

No ano de 1919, na revista em questão, lemos uma notícia sobre um “projeto luminoso” proposto pelo inspetor telegráfico de Curitiba, João Coelho Brandão, o qual idealizou a construção de um monumento com “a imagem que a Cruz imortalizou, e com Ela, illuminda, – a meiga, doce, consoladora, sublime constelação de minha pátria”. João Coelho segue suas argumentações a respeito desse monumento afirmando que o mesmo seria ideal para representar o Centenário, pois tal símbolo sintetizaria “a paz, amor, trabalho e justiça”, virtudes que, segundo o inspetor telegráfico, conduzem ao caminho do progresso. Com esses elementos postos nos cabe indagar: progresso para quais grupos?

Além do projeto mencionando, foi possível localizar, no mesmo ano (1919), uma notícia referente à vontade do arquiteto brasileiro, de nome Roberto Etzel, em torno da construção de um símbolo para a comemoração da independência do Brasil. O propósito do arquiteto era representar cada estado da federação por meio de figuras humanas.

No caso da Bahia, Roberto Etzel pedia que o Instituto Geográfico e Histórico lhe desse indicação de um símbolo que pudesse representá-la, nos incitando questionar a naturalidade do arquiteto e o porquê da população baiana não ter sido envolvida neste processo de escolha. Em um discurso imbuído de elementos característicos de uma visão colonialista, o arquiteto afirma que o desenvolvimento e elevação sociológica do Brasil teve contribuição de diversas naturezas, porém, nenhuma teria contribuído tanto do ponto de vista moral para a civilização brasileira quanto à“Santa Cruzada da catequese” que teria convertido os indígenas caracterizados por ele como “silvícolas”, “rudes” e habitantes das “selvadas indígenas”.

O pensamento colonial nas falas de Roberto Etzel é expresso, também, nos seus planos para o monumento. Para o arquiteto, por ter sido a “primeira que abraçou o Augusto Símbolo” e a “primeira que recebeu o batismo da fé Cristã” a imagem que deveria simbolizar a Bahia na comemoração do centenário representaria “uma indígena, cristianizada, semi-nua, genuflexa, conchegando ao seio de uma CRUZ”.

Como parte da conclusão da notícia sobre a construção desse monumento, a revista Bahia Illustrada informa que a indicação dada pelo arquiteto para representar a Bahia “no grande monumento lapidar, projetado à comemoração do Centenário da Independência do Brasil” foi remetida juntamente com outras ideias oferecidas por sócios, o que levanta nosso interesse acerca de mais indícios sobre os sujeitos que estavam por trás da criação de elementos que, supostamente, iriam simbolizar os ideais da nação. Que ideais eles defendiam? Aparentemente, não eram grupos populares e tampouco demonstravam intenções de incorporar o pensamento e as noções de outros sujeitos históricos nesse projeto de simbologia da comemoração da independência.

Com o que foi postulado anteriormente, torna-se importante uma atenção especial aos elementos que constituem e atravessam a ideia de criação de um símbolo imagético que, em teoria, representaria a nação em uma data tão significativa. Analisar e criar hipóteses que nos instiguem a exercitar nossa compreensão da função social e política dos monumentos nos permitem refletir sobre nosso lugar como sujeito histórico no processo de independência. A diversidade do Brasil, que não foi contemplada nas narrativas históricas, bem como o discurso que relativiza uma história de escravidão, genocídio e luta por direitos; têm se tornado objeto de questionamentos, principalmente, pelos descendentes dos grupos que tiveram as histórias dos seus povos apagadas e, ainda, escritas a partir da perspectiva do colonizador. Dessa forma, indaga-se: que símbolos podem, de fato, representar a história da independência de uma nação tão plural e com processos históricos tão complexos como o Brasil? Nas ultimas décadas, a memória materializada nesses monumentos tem sido reivindicada por grupos historicamente oprimidos. Assim, repensar a disposição dos monumentos que estão postos nos espaços públicos torna-se um exercício válido para compreender os mais diversos projetos de sociedade que estavam sendo apresentados no passado e que estão sendo construídos em nosso presente.

*Graduando em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz/UESC. Bolsista de Iniciação Científica (CNPq). Membro do Grupo de Pesquisa em Política e História da Educação – GRUPPHED.


Imagem em destaque: Revista Bahia Ilustrada, 1919. Biblioteca Nacional.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *