Pragmatismo e Educação Democrática

Antonio Carlos Will Ludwig

Embora o pragmatismo seja objeto de vários entendimentos, vamos concebê-lo como uma vertente da cultura humana que assenta-se no pressuposto de que cada uma das produções do intelecto humano deve estar relacionada às suas respectivas consequências práticas. Tais consequências são muito importantes porque permitem verificar as diferenças entre várias alternativas propostas bem como estabelecer qual delas é a mais correta. 

Talvez a primeira e a mais destacada proposta do pragmatismo aplicado à educação seja a apresentada por John Dewey em sua obra intitulada Democracia e  Educação que é objeto deste artigo. Como parece evidente nesta obra, ele estabelece um liame entre o regime democrático e o processo educativo.

Dewey parte do fato de que a educação é um processo social, ou seja, é um fenômeno que ocorre no âmbito da sociedade com vistas a perpetuá-la por meio de renovações constantes. E quanto mais a sociedade se desenvolve e aumenta em complexidade mais crescente se torna a relevância da educação. De acordo com o que consta em seu livro, a perpetuação da sociedade ocorre através de um processo de transmissão. Diz ele que “a transmissão efetua-se por meio da comunicação dos mais velhos para os mais novos dos hábitos de proceder, pensar e sentir”.

Nesta obra ele diz que existem dois tipos de sociedade que são a indesejável e a desejável. A “sociedade indesejável é a que interna e externamente cria barreiras para o livre intercâmbio e comunicação da experiência” e a desejável é aquela “que prepara todos os seus membros para com igualdade aquinhoarem de seus benefícios e que assegura o maleável reajustamento de suas instituições por meio da interação das diversas formas da vida associada”. Este tipo de sociedade desejável ele denomina de democrática.   

A sociedade democrática reconhece “serem os interesses recíprocos fatores de regulação e direção social”. Leva em conta também o princípio da livre cooperação dos grupos sociais e “mudança dos hábitos sociais” juntamente com sua “contínua readaptação para ajustar-se às novas situações criadas pelos vários intercâmbios”. Segundo seu pensamento, a democracia “é mais que uma forma de governo; é, primacialmente, uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada”. 

Ao apontar a fragilidade da ideia de Platão de querer agrupar as pessoas e suas aptidões em classes sociais específicas ele assevera que “à proporção que a sociedade se torna democrática, a verdadeira organização social está na utilização daquelas qualidades peculiares e variáveis do indivíduo e não na sua estratificação em classes”. Afirma também que “uma separação entre a classe privilegiada e a classe submetida impede a endosmose social”. Diz ainda que esta separação provoca muitos males ao grupo desfavorecido e traz prejuízos aos privilegiados, porém, de maneira menos perceptível. 

De acordo com Dewey a sociedade democrática “deve adotar um tipo de educação que proporcione aos indivíduos um interesse pessoal nas relações e direção sociais, e hábitos de espírito que permitam mudanças sociais sem o ocasionamento de desordens”. Neste tipo de sociedade devem ser asseguradas “as facilidades escolares com tal amplitude e eficácia que, de fato, e não em nome somente, se diminuam os efeitos das desigualdades econômicas e se outorgue a todos os cidadãos a igualdade de preparo para suas futuras carreiras”, sempre tendo em conta que o verdadeiro ideal da educação diz respeito à “expansão das aptidões do indivíduo em um desenvolvimento progressivo orientado para fins sociais”. Vale destacar que para ele a escola apresenta-se como “uma modalidade de vida social, uma sociedade em miniatura, em íntima interação com outras modalidades extraescolares da existência associada”.

A concepção pragmática de modo geral, e a que diz respeito a Dewey em particular, merece duas observações. Uma delas é de que parece muito difícil encontrar justificativas robustas e convincentes garantidoras de que a verdade e a utilidade sempre se apresentam ligadas entre si. A outra diz respeito ao fato de que a constante preocupação em testar a validade de uma proposição na prática pode contribuir para arrefecer o devido valor que deve ser conferido à atividade reflexiva.

Cumpre ressaltar que Dewey ao construir sua teoria não conseguiu antecipar e vislumbrar que o regime democrático inclina-se a favorecer a luta em favor da transformação social e da educação em particular tendo em vista conferir benefícios aos setores desfavorecidos da sociedade. Vale lembrar também que a imersão no pragmatismo pode tê-lo impedido de enxergar a presença dos condicionantes econômicos e políticos do fenômeno educativo embora talvez ele tenha sido o primeiro a apresentar a proposta de colocar a educação a serviço da diminuição das desigualdades econômicas. Outrossim, é possível asseverar  que ele é um antecipador da figura do cidadão ativo haja vista ter afirmado que a educação deve provocar nas pessoas o interesse pelo direcionamento da sociedade.


Imagem de destaque: Editora Ática

     

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