EDITORIAL Nº245, 12 DE JULHO DE 2019
Como a eleição de Bolsonaro demonstrou, não são poucos e poucas no Brasil que
defendem ardorosamente políticas e ações fascistas, inclusive o puro e simples
extermínio dos adversários políticos e das populações mais vulneráveis. A desfaçatez e
perversidade com que o Presidente defende causas eticamente insustentáveis em todos os
rincões do mundo civilizado respondem, neste sentido, às demandas dos grupos que
defenderam mais aguerridamente a sua candidatura. E, não por acaso, os alvos de seus
ataques são, de forma sistemática, não apenas os mais pobres, mas também os grupos
social, cultural e politicamente mais vulneráveis.
Após defender publicamente que não se deve cobrar multas de quem transporta crianças
sem a devida segurança, colocando em risco a vida de milhões de crianças, o Presidente
da República se põe, agora, a defender o trabalho infantil. Sob o argumento de que o
trabalho infantil não prejudica a vida das crianças e, que, pelo contrário, seria bom para a
sua formação, o energúmeno Presidente contraria todos os preceitos legais, de civilidade
e humanitários construídos há vários anos em defesa da vida e do bem estar das crianças,
sobretudo daquelas oriundas da classe trabalhadora.
O resgate das crianças do trabalho infantil tem significado, ao longo dos últimos séculos,
a defesa do direito à vida, já que as condições em que o trabalho infantil se dá, nas
sociedades capitalistas, é de grande precariedade. Abundam, desde pelo menos o século
XVIII, os relatos das situações absurdas em que as crianças pobres, desde a mais tenra
idade, se encontravam (e se encontram!) trabalhando. Do mesmo modo, abundam as
mortes infantis causadas pelos acidentes de trabalho ou em decorrência das situações
insalubres em que as crianças trabalhavam, e continuam trabalhando, em boa parte do
mundo, inclusive no Brasil.
É reconhecido por todas as normativas nacionais e internacionais que a proteção às
crianças e a garantia de condições para que usufruam o direito à infância é um marco
importante das sociedades civilizadas. Isso é o reconhecimento de que aqueles e aquelas
que chegam ao mundo devem ter assegurado, sobretudo pelas pessoas adultas, as
condições para uma vida digna desde antes de nascer.
Como sabemos, ainda hoje não conseguimos retirar todas as crianças do trabalho infantil,
assim como não conseguimos garantir alguns dos mais elementares direitos das crianças
mais pobres, como o direito à vida saudável, o direito ao brincar e o direito a uma escola
de qualidade. Por isso também, a defesa do trabalho infantil pelo Presidente da República
legalmente eleito é estarrecedora e demonstra a falta de limites para a perversidade do
grupo que hoje governa o Brasil e é mais uma demonstração das políticas de morte
defendidas por Bolsonaro e seus apoiadores nos poderes executivo, legislativo e
judiciário, e na sociedade civil.
A luta contra o trabalho infantil e pelo direito à infância é uma causa humanitária
fundamental. Ela não apenas responde à necessidade de proteger os sujeitos mais
vulneráveis e garantir-lhes o direito à vida digna, mas é também uma aposta no melhor da
cultura humana e, neste sentido, no melhor da própria humanidade. Caso abramos mão
destes preceitos, teremos, enfim, de concordar com o “filósofo” Nelson Rodrigues para
quem, definitivamente, “a humanidade não deu certo”!
Imagem de destaque: Valter Campanato/Agência Brasil