Patativa do Assaré, o Camões do sertão

 Alexandre Azevedo

Antônio Gonçalves da Silva nasceu no, já longínquo, ano de 1909, na cidade de Assaré, interior cearense. Adotando o pseudônimo de Patativa do Assaré, tornou-se um dos mais importantes e admirados poetas cordelistas da literatura brasileira, tendo algumas de suas poesias musicadas e interpretadas pelo rei do baião, Luís Gonzaga (1912-1990), o Gonzagão. Lavrador humilde, de parco estudo, apenas o suficiente para aprender a ler e a escrever, soube como ninguém cantar a roça e a vida sofrida do homem do campo. Extremamente preocupado com a região nordestina, procurou, em seus comoventes versos, abordar temas sociais e políticos, tornando-se, dessa forma, um autêntico porta-voz dos fracos e oprimidos, desfazendo-se, assim, a imagem de um jeca ingênuo que um ou outro leitor desavisado poderia supor. A preocupação foi tanta que coube a Patativa do Assaré a primazia de explorar a questão da reforma agrária de maneira poética. Vale aqui ressaltarmos que os poetas populares, como Patativa do Assaré, fizeram da sua arte um meio de informação. Muitos de seus leitores e tantos outros analfabetos (mas ouvintes atentos, daí a literatura oral como nos primórdios da literatura medieval portuguesa) acabavam por se informar das notícias mais importantes, principalmente no que dizia respeito à política, por intermédio dos abecês. Portanto, importante meio de informação e conscientização sociopolítica. Poeta Passarinho, como ficou conhecido, morreu em 2002, cercado de glória, tanto que ele próprio conheceu, em sua cidade natal, o Memorial Patativa do Assaré. Em trecho do seu poema Aos poetas clássicos, da obra Cante lá que eu canto cá, Patativa declara o seu autodidatismo:

Eu nasci aqui no mato, / vivi sempre a trabaiá, / neste meu pobre recato, / eu não pude estudá. / No verdô de minha idade, / só tive a felicidade / de dá um pequeno ensaio / in dois livro do iscritô, / o famoso professo / Felisberto de Carvaio (p.17).

Aqui uma curiosidade: sobre ter ficado cego de um olho ainda na tenra infância, consequência da popular dor-d’olhos, o poeta passarinho comentou sobre a sua semelhança com o maior poeta de língua portuguesa de todos os tempos, Luís Vaz de Camões (1524-1580), numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (19/07/2000), no Caderno Ilustrada: “Você sabe que ele foi meu colega de visão? Perdi meu olho direito na infância. Ele perdeu o dele na guerra de Ceuta”. Portanto, Patativa é o nosso Camões do Sertão. Para homenagear o colega caolho, Patativa escreveu o poema Luís de Camões, também da obra Cante lá que eu canto cá, cujo início é:

Eu sou o poeta selvagem, / Não recebi instruções, / É rude a minha linguagem / E fracas as expressões / Para render homenagem / Ao grande poeta Camões, / Que com o seu pensamento / Deu à Pátria um monumento. (p.250).

E se Luís Vaz de Camões cantou a sua Pátria em 1.102 oitavas com versos decassílabos, cujo esquema rímico é ABABABCC (notem que Patativa usou do mesmo esquema na oitava acima, porém, valendo-se dos versos redondilhos que facilitam a musicalidade, própria da literatura cordelista), no conhecidíssimo Os Lusíadas, Patativa não deixou por menos, cantando a sua Assaré em 24 décimas (a décima é uma das estrofes preferidas dos cordelistas e/ou repentistas em seus desafios martelados ou em suas glosas) em versos redondilhos maiores (versos heptassílabos pertencentes à medida velha), cujo esquema de rimas é ABABCCDEED (rimas alternadas nos quatro primeiros versos, seguida por uma paralela, finalizando com uma interpolada). Desvinculando-se um pouco do já tradicional esquema rímico de uma décima “sertaneja”: ABBAACCDDC. Eis a estrofe inicial de Assaré, de sua obra Inspiração nordenista:

Assaré! Meu Assaré! / Terra do meu coração! /Sempre digo que tu é / o lugá mió do chão. / Me orgúio quando me lembro / que tu também é um membro / do valente Ceará. / P’ra mim, que te adoro tanto, / te jurgo o mió recanto / da terra de juvená (p.43).

Patativa também amou a natureza do seu sertão. Amava-o sem porquês, apenas amava-a. Parafraseando aqui João Guimarães Rosa, para Patativa do Assaré o seu sertão era o mundo!

 

Para saber mais
ASSARÉ, Patativa. Canta lá que eu canto cá, Petrópolis: Editora Vozes / Fund. Pe. Ibiapina / Inst. Cultural do Cariri, 1986.
ASSARÉ, Patativa. Inspiração nordestina, São Paulo: Hedra, 2003.


Imagem de destaque: Secretaria Especial da Cultura

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