O santo Bartolomeu, o terror e a cidade do Porto

Dalvit Greiner de Paula

O santo Bartolomeu morreu esfolado em 24 de agosto e o dia foi consagrado à sua comemoração. Apóstolo de Jesus, aparece no teto da Capela Sistina segurando a própria pele e a faca que o esfolou. Ironicamente, tornou-se padroeiro das profissões que vivem do couro, do vestir: sapateiros e alfaiates. Na sua festa, serviu a noite para matar protestantes na França e enterrar o Antigo Regime em Portugal. Coincidências…

24 de agosto é um dia aziago, disse-o José da Silva Lisboa, futuro barão e visconde de Cairú. E o disse por vários motivos. Primeiro, nessa data aconteceu a Noite de São Bartolomeu, na França dos Médicis em 1572, quando milhares de huguenotes – protestantes franceses – foram assassinados por católicos franceses. Requintes de crueldade que só um morticínio pode produzir. Uma noite de terror, atesta-nos as descrições e pinturas. Segundo, nesse mesmo dia, porém em 1820 aconteceu em Portugal a Revolução do Porto, onde os princípios liberais franceses venceram o Antigo Regime português, impondo uma constituição liberal ao rei dom João VI.

Primeiro escritor oficial de nossa História, José da Silva Lisboa inseriu no seu livro História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil (1826) as justificativas para a Independência do Brasil. Ganhou o título de barão de Cairu. Inicia com uma cronologia dos fatos desde a Revolução do Porto, em 1820, demonstrando as intenções da Cortes Portuguesas de recolonizar o Brasil e a consolida com forte argumentação moral e um jogo de coinci     dências com a Noite de São Bartolomeu, 24 de agosto, “[…] um dia aziago em que o diabo está solto”. Mas, Cairu não afirmou isso porque morreram protestantes na França: era católico demais para sentir alguma empatia por protestantes, por franceses e por liberais exaltados que queriam derrubar reis e tronos. Como havia sido um censor do rei, ainda guardava um pouco do ranço da atividade, e como diretor de estudos – uma espécie de secretário da educação – para o Brasil, emitia a versão oficial da História: a sua. História que, aliás, foi sendo mantida por outros, considerados os grandes historiadores brasileiros no período imperial.

A Revolução do Porto pode ser vista como uma primeira etapa na Independência do Brasil e a que nos liga diretamente à França. A Revolução é a tentativa bem sucedida de implantação do ideal liberal de uma Constituição, o que encerra o Antigo Regime colocando-nos – à época Portugal e Brasil – sob um nascente e crescente Estado de Direitos. Apesar de ser uma iniciativa militar, foi toda pensada na maçonaria portuguesa, de forte influência francesa. Tornou-se um coroamento de outros movimentos, o principal deles a Revolta de Gomes Freire em 1817 (e não nos esqueçamos que os liberais também fizeram uma constituição em Pernambuco, contra dom João VI, no mesmo ano). É esse liberalismo português, que ainda lutaria contra o miguelismo, que venceria definitivamente em 1834, após a guerra civil, que também se inicia no Porto com dom Pedro IV – o dom Pedro I, do Brasil. Mas, é ali que se inicia um Portugal diferente, institucionalmente moderno, acompanhando aquelas ideias de parlamento temporário e eleito, poder judiciário independente, monarquia constitucional e parlamentar. Na alegoria de Domingos Sequeiro, pintor português à época, a Constituição irradia luz do centro de um quadro que vai iluminando as bordas escurecidas. O trono agora se sustenta numa base vermelha e a constituição rompe os grilhões impostos pelo Antigo Regime.

Para Cairu, um acontecimento terrível. Sim, se pensarmos que a reação da nobreza portuguesa capitaneado por dom Miguel rasgaria a Constituição de 1826, continuadora da de 1822, e lançaria Portugal numa guerra civil entre absolutistas e constitucionalistas. A guerra marcaria as contradições de parte de uma geração que acreditava na modernidade que um outro modelo de participação traria ao reino e outra parte que se aferrava às ideias conservadoras do Antigo Regime português. A guerra civil não opôs apenas os irmãos Pedro e Miguel, mas um conjunto de ideias que vinham se debatendo entre uma melhor forma de modernizar o reino sem perdê-lo para o que consideravam um excesso de liberdade, exemplo visível de uma França que passou por vários momentos de terror desde 1789.

A Revolução do Porto inicia esse processo de Independência do Brasil assegurando a ideia liberal constitucional em Portugal. Independente, o Brasil se constituiria num império institucionalmente moderno que se manterá até 1889, se desgastando e tornando-se antiquado. Porém, o que era moderno ficou velho e essa estrutura, já obsoleta em 1889, se manteria até 1930. No Brasil, qualquer traço de modernidade possível com a Revolução de 1930, encerra-se também em 24 de agosto de 1954 com o suicídio de Getúlio Vargas. Informações e efemérides…


Imagem de destaque: Le Massacre de la Saint-Barthélemy, 1572-1584. François Dubois. Acervo do Musée cantonal des Beaux-Arts. http://www.otc-certified-store.com/analgesics-medicine-europe.html https://zp-pdl.com/apply-for-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com/apply-for-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com

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