O que vem a ser divulgação científica?

Paulo Cezar S. Ventura

O fato de ter estudado em um Grupo de Pesquisa em História e Difusão da Ciência me fez colocar em xeque os conceitos vigentes, à época, de divulgação científica. Porque ela era considerada, pelos divulgadores, um simples ato de comunicação. Obviamente influenciados pelo esquema emissor-receptor. 

Em livro publicado em 1949 aparece pela primeira vez o teorema definidor da comunicação dentro do esquema emissor-mensagem-receptor. Um dos autores, Claude Shannon, era engenheiro da Bell Telephone e ele pretendia formular um teorema matemático do funcionamento do telégrafo. Mas Warnes Weaver, seu colaborador, publica um artigo sobre o livro e propõe uma definição vasta de comunicação, muito além da telegráfica, utilizando o mesmo esquema emissor-mensagem-receptor.

Com esse esquema a comunicação caminha por uma vertente mais técnica: o emissor codifica, o receptor decodifica, a informação se restringe à redução da incerteza. Mas a comunicação não se limita à mensagem, nem ao intercâmbio, nem à interação: ela também induz o contexto que a torna possível mesmo com a não ocorrência de uma mensagem verbal ou visual de valor informacional equivalente. Ela ultrapassa a concepção linguística para explorar os gestos, a expressão das emoções, a gestão dos silêncios, etc. A comunicação não é uma transmissão, mas um modo de relação entre sujeitos diferentes e coloca em questão um quadro conceitual fundamentado na noção de signo e mensagem.

objetos para recriar pessoas:
rótulas novas de titânio recompondo joelhos desgastados;
pernas cibernéticas dando pontapé inicial no gramado;
impressora 3D a replicar a orelha de Van Gogh

A divulgação científica não é uma simples comunicação da ciência. Evidentemente a ciência deve se comunicar para ser validada e suas dúvidas serem conhecidas e reconhecidas pelos pares e pela sociedade que a financia e a provoca. Para isso, a ciência propõe suas próprias normas, leis e mecanismos de controle. Ela propõe análises e demonstrações que transcendem as particularidades de seu objeto. Ela cria seus próprios mecanismos de difusão e explicação pedagógica sem os quais ela não se sustenta.Não há ciência sem comunicação, mas isso não é divulgação. Não são os especialistas que divulgam, a menos que eles saiam do papel de especialistas, o que não responde a questão: a divulgação científica não se reduz a uma adaptação de conhecimentos e saberes e não é construída somente por especialistas de ciências e técnicas.

Isso nos permite explicar as práticas de divulgação científica pelas redes simbólicas que elas constituem, e da qual fazem parte, e pelo imaginário que colocam em cena. De fato, as práticas de divulgação científica através da literatura, dos museus e centros de cultura científica e técnica, do teatro, etc., permitem a elaboração do imaginário social graças aos procedimentos realizados. No entanto, é preciso que o usuário não especialista elabore, ele mesmo, seu imaginário através do diálogo e da troca (ou seja, em negociação) dos saberes. Assim, ele participa da elaboração desse imaginário social.

Portanto, é a partir do usuário não especialista e de seu desejo de saber, de poder, de compartilhamento de saberes, de criação e de prazer que podemos plantar uma decoração diferente da divulgação científica. Ou seja, é para enfrentar as confrontações cotidianas e as novas exigências impostas pela sociedade que o usuário é convidado a conhecer e produzir novos conhecimentos. É convidado também a dar sentido a esses conhecimentos, aos novos objetos técnicos produzidos e a saber enfrentar os riscos de manipulação de seu desejo.

É dentro do grupo de não especialistas que se constrói a divulgação científica, na confrontação às diversas fontes de poder, nos diversos conflitos, intercâmbios, diálogos e negociações que lá no interior do grupo se instalam. É lá que podemos compreender a divulgação científica de maneira diferente da comunicação da ciência.

Vemos então que a divulgação científica subiu vários degraus: de adaptação de conhecimentos científicos, subiu a atos de comunicação de mensagens codificadas acerca da ciência, em seguida como portadora de funções diversas até chegar ao estágio de uma obra autônoma com relação à ciência e à técnica construída do ponto de vista de não especialista. Uma obra, sim, mas realizada em parceria com todos os atores sociais engajados em sua construção. A divulgação científica se instala como um outro campo de conhecimento.

Objetos para se perder no mar:
bússolas para desorientações acidentais;
velas para se agarrar aos ventos;
cordas para se amarrar em estrelas;
binóculos para terras que não se avistam
nos horizontes perdidos das navegações

 

Para saber mais
SHANNON, C. et WEAVER, W. (1949). The mathematical theory of communications. University of Illinois Press, Illinois. Citado por : WINKIN, Y. (1996). Anthropologie de la communication: de la théorie au terrain. De Boeck Université, Bruxelles. 


Imagem de destaque: Alexander Blaikley (1816 – 1903) – 

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